Geofagia
Moçambicanos comem areia: Rentável mas provoca doenças no
país

Seja como for, o consumo de areia
poderá vir a constituir um problema de saúde pública porque vai se chegar
a um ponto em que muitas pessoas vão padecer da mesma doença.
Não se sabe porquê, mas
de algum tempo a esta parte, a indústria de venda e consumo de areia está a
ganhar terreno na província e cidade de Maputo. Adultos e jovens vendem e comem
terra na total normalidade.
Nas ruas, nas paragens e em frente
das escolas, é comum a presença dos funis de papel branco cheios de areia.
Se antes comer areia era hábito
entre as mulheres grávidas, possivelmente para remediar a falta de ferro, agora
virou moda até homens consomem a areia e vários consumidores entrevistados não
conseguem parar de comer.
Jaime Sitoe entrevistado pela
reportagem do MMO disse que “Via a minha irmã mais velha a consumir,
experimentei e gostei”.
Há três anos que Sitoe
consome, e não pouco, por dia acaba três a quatro funis.
“No princípio, tive dificuldades,
doía-me o estômago, tinha dificuldades de defecar, mas já estou viciado”,
contou.

Por sua vez, Alice Das Dores consumidora de areia disse que o vício começou aos 15 anos estando agora com 22 anos de idade.
Eu sei que a areia é prejudicial a
saúde mas não consigo parar de comer, mesmo sabendo que consumida em excesso
pode me causar e quando consumo os dentes ficam arrepiados e sinto
irritação na garganta como se tivesse gripe”, avançou.
“Esta areia tem um sabor incrível.
Não sacia, mas traz um conforto à alma quando o desejo bate. O mais
inacreditável é que você não percebe quando vai ficar dependente, por mais
apelos sobre o facto de ser prejudicial a saúde”, lembrou.
Ainda segundo Das Dores pior é
quando a pessoa tem cólicas menstruais e consome areia porque agrava
a situação, podendo até mesmo parar no hospital.
Angélica Sitoe , 44 anos,
vendedeira de lençois no mercado Xipamanine , disse não saber o que a move a
comer areia.
“A areia não tem gosto. Consumo por
capricho”, disse.
Angélica sente mais vontade de
comer terra logo depois da refeição, “nem que seja apenas para sentir o cheiro
de modo a estar bem comigo mesma”.
Até no ano passado a senhora não
consumia areia, mas depois de experimentar, “não consigo abandonar. Acho que já
estou viciada”.
Para Angélica, o que incentiva os
jovens a consumir terra é a disponibilidade do produto e o baixo preço.
“ Em qualquer esquina vende-se
areia e é barata. Por mais que eu queira resistir não consigo. Sempre caio na
tentação”, explicou.
Todavia, a nossa entrevistada
consome terra mesmo passando mal depois.
“Já tentei abandonar a prática
chupando rebuçados ou esmagando bolachas para atenuar a vontade de ingerir
areia, mas não consigo. É como se fosse um vício de cigarros”, lamenta. “Depois
de ingerir areia sinto que o meu problema de asma piora. É quando arrependo-me
de ter consumido”.
A areia é extraída em Marracuene,
a 30 quilómetros da capital, e com perigo para os trabalhadores, pois
já houve desabamentos que causaram mortes. As vendedeiras vão de chapa a sua
procura e trazem em sacos de 50 quilos a Maputo.
As mulheres grávidas são tidas como
potenciais consumidoras, mas, nos últimos anos, a areia tem granjeado simpatia
por parte de outros clientes, nomeadamente jovens e adolescentes do sexo
feminino.
As mulheres pilam, seleccionam,
põem nas bacias e vendem-na ao preço de 50 meticais. A seguir é submetida a um
processo de transformação que passa pela adição de sal, incluindo a cozedura
que dura entre duas e três horas.
De acordo com as vendedeiras
entrevistadas pela reportagem do MMO, os carregadores, recebem 20 meticais para
transportar cada saco da paragem do chapa até a casa da vendedeira.
De diferentes tons, branca, amarela
clara e escura a areia é colocada no chão, no quintal ou na rua, em sacos
abertos para secar durante um ou dois dias. Nos dias chuvosos é aquecida em
panelas.
Depois de seca, a areia é pilada
por jovens e crianças descalços, sem lavar as mãos.
Logo a areia é peneirada para
retirar a mais grossa. Para dar gosto, coloca-se sal de cozinha e
segundo algumas fontes, sabão ou detergentes.
No mercado, as vendedeiras de areia
colocam o produto em recipientes abertos e manipulam-na sem luvas.
Teresa Francisco , mãe de dois
filhos, vende areia no mercado Xipamanine, arredores da capital .
“É vantajoso comercializar areia
porque é rentável, não apodrece, os ratos não consomem, e muito menos as
crianças em casa”, explica.
Rodeada de bacias cheias de areia,
Telma explica que compra o saco de 50 quilogramas de areia em
Marracuene a 110 meticais, prepara, e vende a 250 meticais.
Com o negócio, “consigo aguentar
com as despesas de casa porque o meu marido está desempregado”.

Por sua vez, Rosa Moiane também vendedeira do mercado Xipamanine e mãe de dois filhos disse que faz este negócio desde 2011, disse que com o dinheiro que ganha com a venda de areia consegue sustentar os seus filhos e ajudar o seu marido que é guarda nocturno e que não recebe quase nada.
Contudo, Rosa reclama do aumento no
custo do transporte e do número crescente de vendedeiras de areia na cidade.
“Dizem que este negócio mata e que
devemos procurar fazer outros mas já experimentei vender tomate e cebola, e não
deu certo”, concluiu.
Pica e Geofagia
É uma afecção rara entre seres
humanos, de apetite por coisas ou substâncias não alimentares (isto
é,solo/terra, moedas, etc.) ou uma vontade anormal de ingerir produtos
considerados ingredientes de alimentos.
Para que tais hábitos sejam
considerados pica, é preciso que persistam pelo menos um mês durante um período
de vida quando não se considera normal, dentro do quadro de desenvolvimento
humano, utilizar a boca para explorar e ingerir coisas como barro, excremento,
brinquedos, solo, botões, pedrinhas, etc., como o fazem frequentemente as
crianças menores.
O nome pica vem
do latim e significa pega, um pássaro do hemisfério norte conhecido por
comer quase tudo o que encontra pela frente. A pica pode ser observada em todas
as idades, mas especialmente em mulheres grávidas em meninos e
meninas, mas especialmente em crianças sofrendo dificuldades no desenvolvimento
infantil normal.
A causa de pica há muito
que é procurada com varias perspectivas. As teorias nutricionais são as mais
citadas, em geral atribuindo à pica a deficiências minerais
específicas, como ferro e zinco.
Para além de se verificar em
populações de África, pica nota-se também em outras partes do mundo
como Estados Unidos, Brasil, Arábia Saudita e China.
A geofagia (comer terra)
é uma prática culturalmente sancionada, e portanto não é considerada um
distúrbio.
Está documentado desde a
pré-historia, e a época dos faraós do Egipto. É um hábito com muitas variantes
em sua prática e com diversos significados: nutricionais,
psicológicos/psiquiátricos, terapêuticos, antropológicos, místico/religiosos e
antropológicos.
“Na selva amazónica, por exemplo,
por não ser fácil se conseguir sal, grupos indígenas realizavam uma
peregrinação anual em busca da terra salgada. No Peru e Escandinávia a argila é
material comestível. Em algumas regiões da África a prática da geofagia está
associada a crença de que durante o primeiro trimestre da gestação diminui as
náuseas e estimula a secreção láctea quando o bebé nascer”, lê-se no documento.
A causa básica da geofagia é
desconhecida, sendo que a deficiência de ferro no consumidor é a mais
divulgada. Outros estudos relacionam a geofagia com a deficiência de zinco ou
com as deficiências nutricionais múltiplas.
O problema coloca-se quando as
pessoas consomem terra como se fosse moda, sem prestar atenção às condições
nada higiénicas do processo de preparação.
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