BRASIL, O PAÍS DO CARNAVAL

BRASIL, O PAÍS DO CARNAVAL


Olhando de longe é mais fácil compreender. Uma multidão sem rosto, sem traços, movimentando-se em blocos entre pulos, danças e músicas pontuadas por refrões repetitivos. Se não chegarmos perto, as explicações tornam-se mais palatáveis e provavelmente acreditaremos que aquela massa informe e festiva é o retrato de um povo feliz, que apesar dos pesares, tem lá suas razões para comemorar.

Afinal, que mal há em um evento capaz de reunir milhões de pessoas, independente de classe social, idade ou raça, expondo-se em um frenesi de alegria, permitindo-se – ainda que seja uma vez por ano – entregar-se a uma explosão de felicidade ?

Mas não é preciso chegar tão perto para enxergar que a realidade não é exatamente tão bela assim. Se nos aproximarmos só um pouco, será suficiente para perceber o quanto somos regidos por nosso instinto de manada.

Ao ver a foto exposta nessa texto ou as milhares de imagens que nessa época do ano tomam conta dos sites de noticias, jornais e programas de TV, confesso que tento enxerga-la a partir da perspectiva de quem está longe, mas a dificuldade em ver gente ao invés de massa torna a tarefa mais difícil.

Vejo uma multidão anônima tentando expurgar as dores e desmandos de viver no país da corrupção, onde a cada recorde anual de arrecadação de impostos mais gente morre nos hospitais, na falta de estrutura viária, onde o ensino parece cada vez pior e não há sinais de melhora. Mas e daí ? Somos o país do Carnaval não somos?

Com enorme facilidade nos entregamos aos comandos em forma de convites de que “agora é hora de ser feliz”, afinal é carnaval, da mesma forma que seguimos o fluxo da tristeza de finados, dos presentes de Natal, do arrependimento na “quarta feira de cinzas”, consumindo, comprando, comportando-nos conforme os anúncios publicitários nos orientam a fazer. Somos "serezinhos" que se recusam a enxergar a volta e olhar o próprio umbigo, respondendo a vida conforme as demandas reais, indignando-nos com o que seja indigno, confraternizando-nos com o que de fato faça bem. Não conhecemos a felicidade como estado de espirito – que sabe conviver inclusive com a tristeza – e precisamos comprar a alegria falsa de corpos nus que disputam espaços na TV, abadás caríssimos que dão direito a pular perto de um Trio elétrico barulhento, povoado por pseudo celebridades, brigando, bebendo, desperdiçando, maltratando, morrendo em nome da “alegria”.

Nossa visão é tão turva e dependente desse espírito coletivo que mesmo movimentos que teoricamente deveriam gerar contra ponto de reflexão banalizam a consciência criando discutíveis alternativas em forma de “carnavais religiosos”. Completamente patético ! Marchas para Jesus, Carnaval da fé, “Venha pular com Jesus” são apelos que exemplificam o quanto nos validamos a partir do comportamento da massa, seja em um polo ou em outro, mas o fluxo acaba sendo sempre o mesmo.

Sei que muitos me verão como ranzinza, contra festas ou comemorações populares, mas prefiro correr o risco até porque sei que outros poucos entenderão. Existem movimentos de catarses populares naturais e genuínos e não vejo mal neles, mas aqui me refiro ao espirito coletivo que toma conta de nossas mentes e corpos mais do que nunca nessa época do ano e que não passam de desinibidores que destampam alminhas angustiadas.

O que me incomoda é nossa incapacidade de nos enxergarmos, de olharmos para as questões que geram – e roubam – vida com a mesma intensidade que nos entregamos ao fluxo e seguimos as ordens sutis, sedutoras e intensas à manada.

Sair desse fluxo requer a capacidade de interpretar a vida com espírito critico, distanciar-se , mudar a perspectiva. Encontrar-se com a própria essência pode não ser tarefa fácil e o caminho de um certamente não será exatamente o caminho do outro, mas em todos os casos a necessidade do constante verificar suas reais motivações e as razões de suas escolhas. Esse é um trabalho necessário para todo o que resolve conhecer-se.

Caso contrário continuaremos engordando no pasto, comendo capim e seguindo a manada até chegar o dia do abate onde assustados olharemos a volta sentindo pela primeira vez que talvez seja tarde demais.

Enquanto isso a gente pula e se entrega a todas as pulsões na expectativa de que uma quarta feira de cinzas nos expurgará e renovará todas as coisas, até o ano que vem. - flaviosiqueira.com

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