‘Pito do Pango’ na década de 30, maconha era vendida em herbanários do Rio

‘Pito do Pango’ na década de 30, maconha era vendida em herbanários do Rio

Reportagem do jornal O GLOBO comprou a ‘Diamba’, por ‘baixo preço, num desses estabelecimentos commerciaes’ das ruas do Centro da então capital da República

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23 de Agosto de 1930, Geral, página 1



09 de Agosto de 2008, História, página 39



11 de Maio de 1956, Geral, página 8



05 de Junho de 1933, Geral, página 3



05 de Outubro de 1972, Geral, página 14



09 de Maio de 2014, Sociedade, página 26



12 de Agosto de 2007, Rio, página 21



21 de Outubro de 2011, Ciência, página 36



22 de Maio de 1956, Geral, página 8



22 de Setembro de 1948, Geral, página 1



22 de Setembro de 1948, Geral, página 2



23 de Agosto de 1930, Geral, página 2



23 de Dezembro de 1969, Geral, página 1



25 de Agosto de 1930, Geral, página 1



29 de Julho de 2001, Segundo Caderno, página 4



14 de Setembro de 2008, O Mundo, página 41

Pango, Diamba, Liamba, Fumo de Angola, Veneno Africano ou maconha. De uso medicinal milenar, a maconha com seus diferentes nomes é cultivada desde a época da colônia no Brasil. Hoje, movimenta um segmento importante do tráfico de drogas e está associada à onda de violência nos grandes centros urbanos e nas cidades médias do país, enquanto especialistas em segurança pública, médicos, cientistas, juristas e políticos discutem a sua legalização ou não. No debate, está a implantação do comércio controlado da droga de efeito entorpecente, para tirar da ilegalidade milhares de cidadãos, desferindo um golpe no narcotráfico e nas bandas corruptas da polícia, do Judiciário e da política. A história da sua criminalização no país remonta ao início do século passado, embora a sua proibição, no caso do Rio de Janeiro, venha mais de longe. Já em 1830, o código de posturas da Câmara Municipal estabelecia a proibição da venda e do uso do Pango.

Reportagem do jornal O GLOBO, publicada em outubro de 1930, lembrava que, cem anos antes, a Câmara do Rio já havia fixado punições para “os contraventores”. No grupo estavam incluídos o vendedor do Pango, que pagaria multa, e “os escravos e mais pessoas que delle usarem (sendo punidos) em três dias de cadeia”. Mas o código dos primórdios do Império parecia letra morta. Segundo a reportagem, a “Diamba” era vendida no início dos anos 30 em herbanários da então capital da República, “como O GLOBO demonstrou, adquirindo-a, por baixo preço, num desses estabelecimentos commerciaes”.

A legislação brasileira também refletiu uma tendência mundial. Em 1912, a Convenção Internacional sobre o Ópio, em Haia, recomendou aos estados signatários que avaliassem tornar crime a posse de ópio, morfina, cocaína e seus derivados. Sob inspiração dessa convenção, em 1921, entrou em vigor no Brasil o decreto 4.294. Conforme os estudos do advogado criminalista André Barros, mestre em Ciências Penais, e de Marta Peres, doutora em Sociologia, o decreto punia somente o comércio de “substância de qualidade entorpecente”. Era a época dos herbanários do “Pito do Pango”. Em 1931, foi realizada a Convenção de Genebra, regulamentando as convenções anteriores e, no ano seguinte, entrou em vigor no Brasil o decreto que passava a penalizar também o usuário, diferenciando-o do traficante. Mais tarde, decreto-lei de 1938 proibiu a produção, o tráfico e o consumo de entorpecentes e estabeleceu a toxicomania como doença compulsória, tratando ainda da internação e da interdição dos toxicômanos. Em 1940, entrou em vigor o novo Código Penal, que fixava pena de reclusão de até cinco anos para a “conduta de tráfico”, aplicada também ao usuário. A punição estava prevista no artigo 281, citado até em música do sambista Bezerra da Silva: “Malandragem dá um tempo”.

Originária da Ásia, a cannabis sativa é usada na medicina chinesa há pelo menos quatro mil anos. Há também registros milenares na Grécia e na Pérsia. No Oriente, suas propriedades entorpecentes também são conhecidas desde a Antiguidade. À Europa, porém, a planta só chegou muito tempo depois, e com outros fins. Por volta do século XV, ela era um dos principais produtos agrícolas europeus. A partir do cânhamo eram produzidos o papel e a maior parte dos tecidos usados na época. Da cannabis era extraída a fibra para produção do linho-cânhamo. O cânhamo, por sua vez, foi essencial para os descobrimentos. Sua fibra era matéria-prima de velas, cordas, redes e outros apetrechos das embarcações. Mas Portugal, um dos maiores usuários desses produtos, não produzia cânhamo — daí a ideia de fazer plantações nas colônias.

Segundo o historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti, a primeira plantação oficial decannabis no Brasil — por iniciativa da própria Coroa Portuguesa — remonta a 1716. Na época, o Rio de Janeiro centralizava as operações. Além de plantar a cannabis em larga escala, seria responsável pela produção e distribuição de sementes para Santa Catarina, Rio Grande e Sacramento (atual Uruguai). Ainda de acordo com os seus estudos, "naquele ano, foram enviados de Lisboa 40 casais de agricultores da província de Trás-os-Montes para povoarem a Colônia do Sacramento e lá iniciarem o plantio do cânhamo e de outras espécimes agrícolas". Nos documentos consultados por Cavalcanti, não há referência ao início do seu uso como entorpecente. Alguns historiadores acreditam que a maconha teria entrado no Brasil antes da ação da Coroa Portuguesa, a bordo de navios negreiros. Alguns relatos indicam que ela seria usada como entorpecente por escravos e, mais tarde, em cultos do candomblé, o que teria ajudado a criar o estigma que sempre marcou o seu uso.

Na Antiguidade, a planta era receitada para sintomas como insônia a problemas gastrointestinais, mas principalmente como analgésico. Até a invenção da aspirina, a planta era conhecida como uma das principais formas de alívio da dor. A ponto de, em 1937, quando os Estados Unidos aprovaram uma lei para proibir o uso da maconha, os protestos mais enfáticos vieram da Associação Médica Americana. Nas décadas seguintes, a maconha continuou, embora timidamente, marcando presença em uma série de tratamentos. Foi sugerida para combater a perda de apetite entre pacientes com Aids e até prescrita para o combate ao alcoolismo. A sua liberação já foi pedida por economistas como Milton Friedman (Prêmio Nobel e pai do liberalismo) e por presidentes da República. Na História também sobram exemplos de personalidades que usaram a cannabis: de Bill Clinton a Gilberto Gil; do ex-deputado Fernando Gabeira ao craque do vôlei Giba; do jazzman Louis Armstrong ao ícone do American way of life Bing Crosby.


Nordeste. Plantação de maconha no município de Santana de Ipanema (Alagoas), em maio de 1956 Vinicius Lima / Agência O Globo

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