As agruras de uma brasileira em busca de absorvente íntimo na Venezuela

As agruras de uma brasileira em busca de absorvente íntimo na Venezuela

por Fernando Moreira
Lista do que cada consumidor pode comprar por semana em Caracas
A jornalista brasileira Elianah Jorge já passou por alguns apertos na Venezuela. Abaixo, ela fez com exclusividade ao PAGE NOT FOUND um relato de como é viver em um país onde falta até papel higiênico e absorvente íntimo.
"Em seis anos morando em Caracas, já passei por alguns apertos. A maioria relacionado à questão da escassez. Por sorte ou por ajuda do meu anjo de guarda nunca tive problemas diretos relacionados à criminalidade – que, na minha opinião, é, de longe, o pior problema do país (já perdi as contas de quantas pessoas conheci que foram assassinadas ou viveram situações gravíssimas por causa do crime).
Logo no início de 2015, quando todos aqui já sabiam que a escassez iria se agravar, precisei comprar absorventes femininos. Bobeira, né? Coisa fácil de encontrar! É só ir à farmácia, pagar e usar! NÃO! Não foi assim e ainda não é!
Fui ao primeiro estabelecimento e não havia 'modess'. No segundo, no terceiro e no quarto, a mesma coisa. Comecei a me preocupar, mas ainda havia algo de esperança já que um produto supostamente tão comum seria encontrado facilmente. (Uma tossezinha de desconfiança, por favor!) Na quinta farmácia a minha cara já era de desespero. Na sexta, quase arranco os cabelos. No sétimo (era um supermercado no qual nunca havia ido), encontrei uma pequena estante com os tais pacotinhos que tanto buscava. Todos eram da mesma marca. E quem pensa em marca, se vinha com ou sem aba a esta altura do desespero? Surtei e com os braços abertos agarrei quantos pude. Falei para a minha filha fazer o mesmo. Ela me olhava surpresa, mas pegou alguns. Fomos pra fila (eu com a montanha de absorventes nos braços). Lá, olho para uma cestinha e vejo shampoo. Era minha noite de sorte! Peguei dois! Mais à frente, outra cestinha com amaciante de roupa. Nunca tive paixão por amaciantes de roupa, mas, sabendo que eu estava achando uma “agulha no palheiro”, peguei dois. Tudo isso na fila, onde fiquei, ansiosa, esperando minha vez de pagar. Já um pouco mais calma, me dei conta da situação e olhei para meus braços repletos de embalagens de absorventes, shampoo e amaciantes. Tive um lampejo de razão, percebi que por alguns minutos eu havia me transformado em um ser irracional. Abaixei a cabeça e comecei a chorar baixinho. Uma senhora que estava na minha frente, sensibilizada com a situação, colocou a mão no meu ombro e disse: 'Isso acontece porque este é um governo comunista'.
Agradeci o apoio, tentei me recompor e passei a me preocupar agora se poderia ou não comprar tantos absorventes. Parecia que minha vez nunca chegaria e meus olhos quase saltavam na tentativa de ver se a caixa estava barrando a compra por quantidade. Fiquei com seis pacotes de 'modess'. Dei outros seis para minha filha pagar. Ufa, passamos!
Na saída do supermercado volto a ficar desesperada. Telefono para meu marido ir ao estabelecimento comprar mais seis.
Máquina chamada 'captahuella' com sistema biométrico para liberar as compras em supermercados da Venezuela
Quando chegamos em casa, conto 18 pacotes de absorventes. Volto a chorar, agora achando um exagero a quantidade que havia comprado. O arrependimento martela a minha consciência, mas não há volta atrás. Guardei os produtos e podemos usá-los durante todo o ano passado.
Mas acho que não aprendi a lição e tampouco fiz o dever de casa: acabo de voltar do Brasil e não trouxe sequer um pacotinho de absorvente. No meu mundo dos sonhos aqui na Venezuela ninguém mais teria problemas com a escassez. Sonho meu...
Porém, o povo continua padecendo em filas intermináveis para comprar arroz, feijão, macarrão, leite, ovos, carne, frango, farinha, sabonetes, papel higiênico, absorventes - alguns dos produtos cujos preços são tabelados e também por isso escassearam.
Chamo de equação o que o povo aqui tem que passar para conseguir comprar os tais produtos a 'preços justos', como o governo chama o tabelamento. A compra é por dia da semana e de acordo com a terminação numeral da carteira de identidade. Eu, por exemplo, só posso comprar às terças-feiras e aos sábados. A quantidade é limitada de acordo com o produto. Chegar ao caixa é quase motivo de festa depois de fazer a fila, de, no mínimo, 50 pessoas (isso com sorte). Obviamente é preciso ter dinheiro para pagar, mas isso tudo ainda não é o suficiente. É obrigatório colocar as impressões digitais de ambos os polegares na máquina de controle biométrico. Esta dirá se adquiri ou não o produto nos últimos dias, portanto se poderei comprá-lo ou não.
Muitas vezes a gente compra o que acha, quase nunca o que quer.

Enquanto isso, os políticos estão debatendo questões especificamente referentes à política. As filas continuam longas, o comércio vazio, a inflação alta e a Venezuela da fartura vai ganhando espaço na memória popular."

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