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GLOBO VAI FAZER NOVELA SOBRE IMIGRAÇÃO JAPONESA, MAS OS PROTAGONISTAS NÃO SERÃO ORIENTAIS (!)





Abri agora o blog da Patrícia Kogut e encontrei esta nota"Luís Melo vai interpretar o patriarca da família japonesa de “Sol nascente”, próxima novela das 18h. Nascido e criado no Japão, Tanaka, seu personagem, será neto de um americano. Na história de Walther Negrão, Julio Fischer e Suzana Pires, ele virá para o Brasil nos anos 1960. A direção caberá a Leonardo Nogueira." Como encarar isso aí?

Eu gosto do Luís Melo, acho uma ator fantástico e subaproveitado pela Globo, agora, isso não me faz ver como aceitável que o escalem para fazer um oriental.  A comunidade japonesa no Brasil é imensa, mais concentrada em São Paulo, Paraná e Pará, é verdade, mas presente no país inteiro.  Certamente, temos vários atores e atrizes de ascendência oriental disponíveis para fazer papéis nessa novela.  No entanto, o que já está sugerido é que a preferência será dada para um elenco caucasiano passando-se por japoneses e descendentes.  

Daniela Suzuki estará na novela Sol Nascente.
Acho muito justo que se faça uma minissérie ou novela sobre a imigração japonesa no Brasil.  Foram tantas novelas sobre italianos e muito mais atenção foi dada a outros grupos de imigrantes, os japoneses são pouco visíveis na dramaturgia nacional, agora, da mesma maneira que black face é abominável, isso deveria ser, também.  Fosse nos Estados Unidos, a Globo seria bombardeada por mensagens condenatórias.  Aqui, muita gente (*normalmente gente socialmente branca e muito bem representada nas telas*) acha um absurdo apontar o absurdo.  Enfim, se haverá um núcleo japonês, ou vários, será necessário, para que a novela seja, no mínimo, crível, buscar elenco que seja compatível.  A Globo quando quer - basta olhar Velho Chico - vai ao teatro em busca de novos (*e velhos*) talentos.  Basta procurar.

A partir daqui, estou retomando o texto, porque recebi dois comentários curiosos.  Um da querida Tanko, do Blyme e do antigo Shoujocast, dizendo que depois que Tony Ramos foi indiano, tudo é possível.  Bem, Tony Ramos fez um grande trabalho de composição e muitos brasileiros e brasileiras médios poderiam ser indianos e vice-versa.  Minha mãe, por exemplo, coloquem um sari nela e ela parecerá indiana desde que ela não fale, ou ande.  O que mais me surpreendeu em relação à Caminho das Índias foi constatar, conversando com um indiano, aqui, em Brasília, o quanto eles conseguiram apreender os trejeitos, os tiques culturais.  Isso é um grande trabalho de ator.  Dia desses, seguindo a mesma lógica, me espantei de ver que o Chico Diaz é mexicano, filho de pai paraguaio e mãe brasileira.  Bem, ele se parece com muitos nordestinos e como excelente ator, faz um grande trabalho de composição.

Tony Ramos em Caminho da Índias.
De qualquer forma, convocamos a Tabby - outra amiga do Shoujocast - para comentar a história do Tony Ramos.  Para quem não sabe, ela é fã de cinema indiano e a especialista em Bollywood para todas as horas.  Ela simplesmente concordou que qualquer um do elenco indiano de Caminho das Índias poderia estar no cinema bollywoodiano, simplesmente, porque o racismo por lá é tão forte que indianos e indianas de pele escura - traço associado à pobreza, inferioridade social e feiura - só aparecem na tela como figurantes.  As estrelas de Bollywood - e a Índia é um país tão ou mais plural que o nosso, são sempre atores e atrizes com traços finos e a pele mais clara.

O outro comentário foi naquela linha de "vocês reclamam demais".  A moça falou de Narcos, elogiadíssimo mais que criticado seriado protagonizado pelo Wagner Moura, e 47 Ronins, um filme descartável com o Keanu Reeves.  O fato é que Wagner Moura poderia ser colombiano, como poderia ser norte americano, ou mexicano sem grande problema.  Não vi a série, mas o que escrevi sobre Tony Ramos vale para ele.  Talvez, as críticas sejam motivadas por Moura não ter conseguido absorver os tiques culturais, os trejeitos que marcam as pessoas de um país ou região.  

Audrey Hepburn como índia.
Obviamente, também acho justo que colombianos reclamem de um ator colombiano ter sido preterido para o papel.  Podemos usar mil argumentos para justificar, mas, ainda assim, a reclamação seria legítima.  Percebem a diferença?  Não se trata de acusar de ser um lixo, mas pontuar aquilo que é problemático ou passível de polêmica.  Quanto ao filme 47 Ronin, nem vale a pena comentar.

Katharine Hepburn fazendo papel de chinesa.
O fato é que quando Hollywood quer, ela consegue escalar um elenco oriental.  Vide O Último Samurai.  Isso, obviamente, não garante um bom filme, mas é mais justo do que empurrar um ator branco fazendo "yellow face".  Por décadas, índios eram interpretados por brancos.  Audrey Hepburn já foi uma mestiça em O Passado não Perdoa (The Unforgiven, 1960) e Rock Hudson foi índio em Winchester '73 (1950), só para citar dois exemplos. Por vários anos, atores brancos eram pintados de preto.  Atrizes de ascendência européia, como Katharine Hepburn, fizeram papel de chinesas.  Motivo?  Racismo e preguiça de ir atrás de um elenco que expressasse a diversidade.  Aliás, a maquiagem de Hepburn em A Estirpe do Dragão (Dragon Seed, 1944) era mais convincente que a do falso coreano da novela Geração Brasil da Rede Globo.

O "coreano" de Geração Brasil.
Minha mesma crítica vai para escalarem atrizes jovens demais para papéis de mulheres maduras.  Sim, estou falando de Jennifer Lawrence, mas, também, de Camila Pitanga na segunda fase de Velho Chico.  Quanto mais velha a atriz, mais difícil conseguir bons papéis.  Muitas vezes, uma atriz de 30, 35 é considerada velha demais para par romântico de um cara de 50 ou mais anos.  Lawrence parece não se importar mesmo, já Camila Pitanga foi usada para tapar buraco, afinal, Letícia Sabatella, a primeira escolha, desistiu do papel.  Só que, na mesma novela, há Dira Paes que poderia, sem problema, ser Maria Tereza e fazer um trabalho maravilhoso.

O vergonhoso black face de A Cabana do Pai Tomás.
Sem me desviar muito, e voltando à Globo, ela continua pisando na bola. Aliás, uma de suas primeiras grandes produções - A Cabana do Pai Tomás (1969/70) - celebrizou-se não pela qualidade, mas por apresentar um ofensivo black face, exigência do patrocinador, que queria um ator consagrado, Sérgio Cardoso, como a personagem título. Ele fazia três papéis, dois brancos e o protagonista negro.  E antes que alguém diga que não havia atores negros para o papel, recomendo uma pequena pesquisa.  Como disse Viola Davis"A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Não se ganha esse prêmio sem um papel", isso vale para qualquer (dita) minoria, aliás.  Só que há momentos em que eles existem, mas o racismo estrutural fala mais alto e o papel cai no colo errado, ainda que seja de um grande ator ou atriz.

Dito isso, ninguém me faz engolir a Serena índia branca de Alma Gêmea.  Colocar a Priscila Fantin no papel foi um absurdo tão grande que é difícil comentar.  Ela consegue fugir até do estereótipo do pegar um ator/atriz, bronzear e pintar de tintas pretas e vermelhas.  A índia de Alma Gêmea está fora de qualquer escala.  O fato é que as novelas da Globo mostram um Brasil muito mais branco do que nosso país realmente é.  Isso pode não ser problemático se pegarmos uma novela sobre imigração italiana, mas ao falar de japoneses é justo colocar atrizes e atores caucasianos em papel de destaque?  Não existem artistas brasileiros de ascendência oriental para fazer os papéis?  Se não existe gente para compor um elenco de 20, 30, que tal mudar o foco da novela?

Serena, índia branca, de matar de vergonha.
Exagero meu?  Pode ser, mas embora goste bastante de Senhora do Destino nunca consegui ver meus parentes e conhecidos naquela família nordestina liderada pela grande Suzana Vieira.  Da família inteira, só o Nelson Xavier me convencia.  A novela era boa, mas poderia ser melhor e dar visibilidade aos talentos que fossem nordestinos, descendentes ou carregassem os traços variados que são vistos na região.    Aliás, o nordestino típico normalmente aparece no papel estereotipado: pobre, analfabeto, sertanejo, fugindo da seca, sendo objeto de humor.  É possível ir um pouco além disso, ainda que possamos, também, conviver com os estereótipos mais clássicos.



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