Lugar de louco é no hospício ou em casa?

Lugar de louco é no hospício ou em casa?


Profissionais e usuários dos sistema de saúde mental lutam por um outro impeachment e reacendem um debate histórico.

POR Tarso Araújo EDITADO POR Tiago Jokura




Era uma vez um hospital de loucos. De fora, parecia uma prisão. Por dentro, também. Cercado por muros e vigias, chegou a ter 3 mil pacientes. Eles dormiam em colchões velhos, infestados de percevejos. Muitos dormitórios não tinham janelas e eram fechados com grades de ferro. Os internos tinham a cabeça raspada e vagavam descalços, maltrapilhos ou nus. Às vezes, passavam meses sem carne. Todos acordavam às 5 da manhã para tomar banho frio. Quem não levantasse, apanhava. A violência era serventia da casa. Pacientes batiam uns nos outros, e quem participava das brigas apanhava dos funcionários. No inverno, muitos morriam de frio. O local era apelidado de "máquina de fazer loucos". Não, não era um asilo medieval, mas a Casa de Saúde Doutor Eiras, em Paracambi, zona rural do Rio de Janeiro, que funcionou até 2012. "Vi muita gente sair pior do que entrou. E muita gente não saiu, né?", diz Paulo Sérgio, que passou 20 dos seus 72 anos internado lá. "Vi muita covardia lá dentro, muita coisa triste."

Em dezembro de 2015, um ex-diretor desse hospital psiquiátrico, o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho, foi nomeado coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Foi uma loucura. Uma parte ruidosa dos profissionais e usuários do sistema de saúde mental ? os ditos loucos ? não está convencida de que Duarte Filho seja contra os manicômios, como tem declarado desde que assumiu. Os manifestantes temem retrocessos na política nacional para a área, que desde os anos 1990 tem fechado hospitais psiquiátricos para investir em tratar os pacientes sem confinamento. Essa abordagem é uma conquista da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, movimentos sociais que têm como lema "Nenhum passo atrás, manicômios nunca mais". A crise em torno do novo coodenador é o mais novo capítulo de um debate que acompanha a medicina há séculos sobre a melhor forma de lidar com a loucura. Ao menos publicamente, ninguém defende locais como o Doutor Eiras, mas a ideia de manter doentes mentais em hospícios ainda é defendida por muitos médicos.


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