As doenças que são 'esquecidas' pela indústria

As doenças que são 'esquecidas' pela indústria

BBC BRASIL-8 OUT2016 17h38-atualizado às 18h17

Enquanto a epidemia do virus zika se espalha para outras partes do mundo, centenas de milhões de pessoas em países em desenvolvimento sofrem de "doenças tropicais negligenciadas", ou DTNs.

Fumigação contra Aedes aegypti em subúrbio de Kuala Lumpur, na MalásiaFoto: Alexandra Radu/Anadolu / BBCBrasil.com

Surtos como o de zika, emergência internacional presente hoje em mais de 60 países e territórios, vêm e vão ao longo do tempo e ganham as manchetes da imprensa. Porém, silenciosamente, mais de 1 bilhão de pessoas em 149 países sofrem com as doenças tropicais negligenciadas.

Trata-se de um grupo de doenças tropicais endêmicas, especialmente entre populações pobres da África, Ásia e América Latina.

Reflexo da falta de interesse de autoridades competentes e baixo investimento em pesquisa para tratamento ou cura, essas doenças acabam replicando, em populações atingidas, ciclos de pobreza e desenvolvimento infantil deficitário, além de impactar negativamente taxas de fertilidade, natalidade e produtividade.

Essas enfermidades assumem diferentes formas, e incluem vermes que penetram na pele, parasitas que causam cegueira e insetos que se alimentam de sangue.

Foto: BBC / BBCBrasil.com

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece 18 doenças como DTNs: dengue, raiva, tracoma, úlcera de Buruli, bouba, hanseníase, doença de Chagas, doença do sono, leishmaniose, teníase/neurocisticercose, dracunculíase, equinococose, trematodíases de origem alimentar, filariose linfática, oncocercose (cegueira dos rios), esquistossomose, helmintíases transmitidas pelo solo e micetoma.

No Brasil, a DTN que tem maior incidência, em números absolutos, é a dengue, segundo os Médicos Sem Fronteiras. Outra doença preocupante em território nacional é a hanseníase (lepra): o Ministério da Saúde registrou cerca de 28 mil novos casos de infecção em 2015.

Diferentemente da infecção por zika ou ebola - ou da gripe do frango e da Sars, voltando um pouco no tempo -, há pouco risco de as DTNs se espalharem pelo mundo desenvolvido.

Os atingidos se concentram em áreas rurais remotas ou aglomerados urbanos, e a voz dessas pessoas quase não se faz ouvir pelo mundo.

Enfermeiro extrai um verme-da-Guiné, causador da dracunculíase, da perna de criança no norte de Gana, na África; populações desfavorecidas são mais vitimadas por DTNsFoto: Getty Images / BBCBrasil.com

Nem todas as infecções por DTNs resultam em morte, mas conviver com elas pode ser debilitante.

Uma maneira de medir o impacto de doenças na saúde da população é relacionar a duração média da enfermidade com sua gravidade, um indicador chamado Anos Vividos com Incapacidade (AVIs).

Embora a China e a Índia sejam os países mais afetados por DTNs, isso ocorre pelo tamanho das populações dessas nações. Ajustando a medição por população, países africanos, do Sudeste Asiático e pequenos arquipélagos como Kiribati e ilhas Marshall se destacam como as áreas mais atingidas.
Medindo o impacto das DTNs

Na República Democrática do Congo, um dos países mais afetados, o Instituto para Métricas Médicas e Avaliações, centro de pesquisa da Universidade de Washington, disse que apenas em 2013 houve mais de 8 milhões de casos de apenas uma DTN, a oncocercose ou cegueira dos rios, resultando em 500 mil AVIs.

A oncocercose é uma doença parasitária crônica transmitida por mosquitos que carregam o nematódeo Onchocerca volvulus . No corpo humano, essas larvas se tornam vermes adultos que podem causar cegueira, lesões cutâneas, coceira intensa e despigmentação da pele quando os vermes morrem.

Foto: BBC / BBCBrasil.com

Apesar de a doença ser uma das DTNs mais disseminadas, muitos países a controlaram pela aplicação de inseticidas, e houve uma queda de 24% de 1990 a 2013 nos AVIs causados pela enfermidade no mundo.

Há outros casos bem-sucedidos. Infecções intestinais por nematódeos, como aquelas causadas por vermes em forma de gancho, registraram a maior queda entre as DTNs - 46% até 2013. Já o chamado verme-da-Guiné, causador da dracunculíase, está quase erradicado.

Mas enquanto a maioria das DTNs registram prevalência menor em 2013 do que em 1990, algumas estão em alta, e certas doenças possuem um potencial de estrago maior do que as enfermidades que estão recuando.

DTNs em alta

A leishmaniose é causada pelo protozoário parasita Leishmania e transmitida pela picada de mosquitos infectados. Pode resultar em lesões cutâneas graves ou mesmo em morte. Cerca de 12 milhões de pessoas estão infectadas, e houve um aumento de 136% nos AVIs desde 1990.

O caso mais preocupante é da dengue, doença conhecida dos brasileiros, mas distante do mundo desenvolvido.

Segundo a OMS, há registro de cerca de 390 milhões de casos de dengue no mundo por ano, e 96 milhões desses casos resultam em doenças com alguma severidade. Houve aumento superior a 600% nos AVIs causados pela doença desde 1990.

Para David Molyneux, da Escola de Medicina Tropical de Liverpool (Inglaterra), a dengue "é uma das DTNs mais negligenciadas, e é muito difícil de controlar e diagnosticar."

Uma causa importante desse aumento é o movimento de pessoas de áreas rurais para centros urbanos, ambiente propício à proliferação doAedes aegypti , o mosquito transmissor da doença e de outras enfermidades como Zika e febre amarela.

Oficiais em mutirão antidengue na regiçao sul de Nova Déli, capital da ÍndiaFoto: Getty Images / BBCBrasil.com

"Mosquitos botam ovos em recipientes com água limpa e parada, como pneus e tanques abertos: objetos encontrados em áreas urbanas. Esses fatores provocam aumento nas populações do vetor e o avanço da doença acompanha a expansão urbana", afirmou Molyneux.

"Enquanto o avanço da doença no Sudeste Asiático tem sido foco de atenção, a situação na África ainda é pouco conhecida. Em muitos casos, a dengue é diagnisticada erroneamente como malaria, e todos os indicadores de DTNs podem estar subnotificados."

"É um desafio real", diz o professor. "Em Cingapura a saúde pública é fantástica, mas os casos de dengue são recorrentes. Se isso ocorre em uma cidade com um bom sistema de saúde, com punições para quem mantém ambientes de reprodução do mosquito, como é possível controlar a doença em outros lugares, mesmo com todos nossos esforços?", questiona.

Mas ainda há esperança, depositada geralmente em vacinas. Em julho, foi liberada no Brasil a comercialização da vacina contra a dengue Dengvaxia, do laboratório Sanofi Pasteur, com preços entre R$ 132,76 e R$ 138,53 para hospitais e clínicas, segundo a Agência Brasil.

Fonte: BBC BRASIL


Comentários