Doenças oportunistas e as suscetibilidades imunológicas sociais

Doenças oportunistas e as suscetibilidades imunológicas sociais

No âmbito do 4º Congresso Nacional de Medicina Tropical e 1º Encontro Lusófono de Sida, Tuberculose e Doenças Oportunistas, realizado no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, entre os dias 19 e 21 de abril, Olga Matos, professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e vice-presidente do evento científico falou com o SaúdeOnline sobre as principais consequências das doenças oportunistas em pessoas imunosusceptíveis

19 de Abril de 2017

“Atualmente, nos países desenvolvidos não podemos pensar só nos doentes seropositivos para o VIH como imunodeficientes com a possibilidade de adquirir infeções oportunistas. Existem outras imunodeficiências”, alerta Olga Matos.

De facto para além dos doentes imunodeprimidos existem outros grupos também suscetíveis a infeções oportunistas, como os idosos – particularmente com co-morbilidades – crianças, grávidas e as indivíduos afetados por infeções nosocomiais.

Para além da baixa imunidade, o meio envolvente também pode influenciar a proliferação das doenças oportunistas?


O meio envolvente pode influenciar, naturalmente, se estiver contaminado. No caso das crianças, por exemplo, o sistema imunitário vai amadurecendo até os sete anos de idade, a partir daí considera-se que a criança tem o sistema imunitário completamente desenvolvido, como o de um adulto. Mas até lá há uma maior suscetibilidade a determinadas infeções. Destas infeções, muitas são as tais infeções oportunistas que se podem instalar em crianças, principalmente, com dois ou três anos de idade.

Os recém-nascidos, embora não disponham de um sistema imunitário formado – a produção de anticorpos tem início a partir dos quatro meses – recebem anticorpos da mãe, através do sangue e da placenta, que vão ser fundamentais para ajudar a combater alguma infeção que possa surgir. Outra fonte de anticorpos é o leite materno, que protegem a criança de algumas infeções, como a giárdia.

Um outro grupo vulnerável é o dos idosos, que respondem mais lentamente aos estímulos antigénicos do exterior e como apresentam uma maior suscetibilidade a infeções oportunistas.

O caso das grávidas é também interessante, na medida em que o seu sistema imunitário vai-se modificar por completo por via das alterações hormonais. Não ficam imunodeficientes, mas as alterações são grandes, o seu corpo vai-se modificando, aumentando à medida que o feto se vai desenvolvendo, tornando-se num terreno favorável à instalação de algumas infeções oportunistas.

Os bairros mais carenciados são um terreno fértil para a disseminação de infeções oportunistas?


Se houver pessoas com alguma imunodeficiência, o terreno torna-se fértil para a disseminação de infeções oportunistas, pois as pessoas imunocompetentes conseguem combater os microrganismos mais facilmente, quer sejam bactérias, vírus ou parasitas.

O problema coloca-se, maioritariamente em pessoas com algum grau de imunodeficiência e que vivem em ambientes contaminados, como frequentemente acontece nos países em desenvolvimento, onde as condições higio-sanitárias são deficientes. Ou mesmo em grupos populacionais mais desfavorecidos, nas sociedades desenvolvidas.

Quais são as principais características ou condições que levam a esta situação, em bairros menos favorecidos?


A água para beber, de consumo público é um veículo de transmissão de certos microrganismos patogénicos, como o cryptosporidium microrganismo que provoca patologia gastrointestinal, ou a giárdia duodenal, que não sendo considerada uma infeção oportunista, é transmitida ao ser humano através de água contaminada, também responsável pela transmissão dos microesporídios microrganismos patogénicos oportunistas que mesmo em pequenas quantidades podem provocar uma infeção que pode ser mortal ou de grande morbilidade em pessoas suscetíveis.

Por sua vez, as crianças que se alimentam mal, que comem em pequenas quantidades e alimentos de má qualidade, consequentemente vão ingerir poucas vitaminas, proteínas, e sais minerais, o que faz com que elas tenham um desenvolvimento abaixo do que era expectável, tornando-as imunodeficientes.

Que medidas preventivas devem ser tomadas para estas situações?


Em países desenvolvidos, as principais medidas deveriam estar focadas no controlo das bolsas de pobreza por parte das autoridades de saúde, no controlo da saúde das pessoas, nomeadamente dos habitantes dos bairros carenciados e principalmente das crianças.

A alimentação nas escolas também pode ser um outro meio de controlo, pois existem várias crianças pobres, em que a família vive uma pobreza envergonhada. Estas têm uma má alimentação em casa, por isso seria importante terem uma refeição bem estruturada na escola.

Quais as principais doenças oportunistas que afetam cada grupo?


Nas grávidas é essencialmente a toxoplasmose, que pode ser adquirida através da ingestão de alimentos que estão contaminados ou com menos frequência a partir da água.

Na alimentação, a infeção pode surgir através da carne mal cozida, que contém quistos destes animais, ao ser ingerida transmite o toxoplasma para o organismo do indivíduo.

Esta infeção pode passar despercebida, o indivíduo pode ter uma sintomatologia muito fraca, semelhante a uma constipação, ou não apresentar qualquer sintoma.

No caso do indivíduo infetado, a infeção passa a estar presente no seu organismo ao longo da vida, sendo que ao manter-se imunocompetente não haverá manifestações da doença, mas caso haja um certo grau de imunodeficiência, os quistos de toxoplasma que se instalaram nos músculos, no cérebro ou na retina, podem rebentar e dar início a uma infeção.

Nas grávidas existe a também a possibilidade de afetar o feto ou o embrião. Se for na fase do embrião há um aborto, enquanto na fase do feto há lesões mais intensas se o feto é mais jovem e lesões menos intensas se o feto é menos jovem.

Nos idosos, as infeções oportunistas mais frequentes são por exemplo a tuberculose, a pneumocistose (pneumonia por pneumocystis virose), as infeções gastrointestinais transmitidas através da água. Podem provocar diarreias intensas e que vão ser debeladas mais lentamente ou pelo sistema imunitário que entretanto vai reagindo, ou através de tratamento.

Para a cryptosporidium não existe um tratamento 100 % eficaz, devido ao seu ciclo de vida, que na fase de autoinfeção, ou seja, uma infeção dentro do próprio intestino pelos oocistos, não são expelidos através das fezes, o que aumenta a dificuldade para debelar a infeção.

Nas crianças, as infeções oportunistas mais frequentes são a clostridiose, a microsporidiose e as infeções gastrointestinais, que são adquiridas facilmente em crianças que vivem em zonas mais carenciadas.

Podem ser adquiridas pelo contacto de pessoa a pessoa, através da água e alimentos contaminados, que vão ser ingeridos crus, como a alface, tomate e as frutas.

Dentro do grupo do VIH, havendo um programa de prevenção, ainda assim há outras infeções, porquê e como?


Normalmente, nos países desenvolvidos há um controlo do tratamento contra o VIH, ou seja as pessoas que fazem o tratamento sabem que devem fazê-lo e que vai ajudá-las indiretamente a combater as infeções oportunistas. Mas há grupos de doentes que são mais difíceis de controlar, como os drogados.

Esses indivíduos não são facilmente controlados pelo serviço de saúde e normalmente não fazem o tratamento antiretroviral como deve ser.

Ao não realizarem os tratamentos, passam a estar mais suscetíveis as infeções oportunistas e por vezes até já estão infetados. O toxoplasma pode ser bastante patogénico neste grupo de doentes seropositivos para VIH que não fazem o tratamento como deve ser.

Neste grupo como a maior parte deles já tiveram contacto com o toxoplasma, os quistos estão lá, nos seus músculos, no seu cérebro e na sua retina. Perante uma imunodeficiência intensa, a probabilidade destes quistos rebentarem e serem destruídos é maior o que também aumenta a probabilidade de reativação da infeção.

O toxoplasma pode causar sérias lesões a nível do cérebro nessa fase de reativação, caso o indivíduo não seja atempadamente diagnosticado, como uma encefalite toxoplásmica.

SO/CS-http://saudeonline.pt/2017/04/19/doencas-oportunistas-e-as-suscetibilidades-imunologicas-sociais/


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