Alguém mais merece zero
Salta aos
olhos uso incorreto de letras como em ‘seje’ ou ‘meza’, por exemplo. Outro dia,
reclamei de um erro assim, e a pessoa com quem me correspondia alegou: ‘É a
preça’
17/01/2015
- 15h08
Zuenir
Ventura, O
Globo
Talvez
seja uma injusta simplificação atribuir à internet toda a responsabilidade pelo
vexame do Enem 2014, em que incríveis 500 mil candidatos tiraram nota zero em
redação. Pode ter sua parcela de culpa, mas é preciso reconhecer que graças a
ela nunca se exercitou tanto a prática da escrita. É difícil encontrar alguém
no mundo de hoje que não redija pelo menos alguns e-mails por dia, sem contar
os posts em blogs, sites, Twitter e Facebook, além, claro, do WhatsUpp.
Conheço
adolescentes que não escreviam, mas, para não ficarem isolados no grupo,
passaram a usar essas ferramentas a fim de ter com quem conversar virtualmente.
O problema não é de quantidade, mas de qualidade. Os jovens estão escrevendo
muito, mas mal (ou “mau”, como diriam alguns), estropiando a língua com as
reduções (tb, vc, naum, pq) e as infrações gramaticais: falta de acentuação e
pontuação, concordância errada, desconhecimento do sentido das palavras.
Das
três dimensões da linguagem — a ortográfica, a sintática e a semântica — a
primeira é a mais visível, mas é a última, a do significado, a que sofre mais
com a crise da palavra escrita. Salta aos olhos o uso incorreto de letras como
em “seje” ou em “meza”, por exemplo. Outro dia, reclamei de um erro assim, e a
pessoa com quem me correspondia alegou: “É a preça”.
Disse-lhe
então que “pressa” demora apenas uma letra a mais para ser digitada e tem a
vantagem de estar certa. É inaceitável, mas a semântica é que é fundamental
para impedir o analfabetismo funcional. Dos quase seis milhões de estudantes
que tiveram suas provas corrigidas, apenas 250 alcançaram nota máxima, ou seja,
só essa minoria soube se comunicar por escrito.
Uma
vez li um texto indignado de um internauta contra o escândalo na Petrobras. “O
pior nesse país”, dizia, “não é a corrupção, mas a falta de impunidade”. Ele
quis reclamar justamente do contrário: não da falta, mas do excesso. Em
contexto parecido, flagrei outro atentado ao sentido de um termo: “Isso é ruim
para a nossa alta estima”. O autor não sabia a diferença entre “alto” e “auto”.
O
tema, considerado mais difícil, “Publicidade infantil no Brasil”, pode ter
contribuído para os baixos resultados deste ano, mas a má qualidade do ensino,
reconhecida pelo próprio ministro da Educação, Cid Gomes, também merece zero,
por não priorizar a leitura e não reforçar a dissertação. Alunos que tiraram
nota mil revelaram o quanto o hábito de ler e escrever foi importante para
eles.
A
sergipana Lorena Araújo, de 19 anos, por exemplo, deu a fórmula para ter sido
uma das 250 estudantes a alcançar a nota máxima no Enem: “O segredo da redação
está na técnica e na prática”. E acrescentou: “além de escrever muito, procuro
ler de tudo, por necessidade e por gosto”.
A
receita é infalível.
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