Previdência pagou meio bilhão de reais a famílias de
presidiários em 2014
29
de janeiro de 2015
Gabriela Salcedo
Gabriela Salcedo
O
auxílio-reclusão, benefício previdenciário mensal pago a dependentes de
trabalhadores presos em regime fechado ou semiaberto, chega a apenas 6,3% da
população carcerária brasileira, de aproximadamente 711,4 mil detentos. Mesmo
assim, no ano passado, o governo federal desembolsou R$ 549,2 milhões para
beneficiar familiares de 45,1 mil presos.
“O
benefício tem pouquíssima amplitude, porque as pessoas presas, em geral, são
dos extratos sociais mais vulneráveis da sociedade, que trabalham em situação
informal e que não estão contribuindo para Previdência”, comentou o defensor
público e coordenador do Núcleo do Sistema Carcerário da Defensoria de São
Paulo, Patrick Cacicedo.
O
valor médio do auxílio é de cerca de R$ 1.015,00. Contudo, ele difere de acordo
com o histórico previdenciário de cada preso, com o quanto contribuía quando em
liberdade, fazendo com que o benefício varie de um salário mínimo, de R$ 788,
ao teto, de R$ 4.663,75.
Em
2013, a administração pública federal executou 517 milhões para o auxílio-reclusão,
em valores já atualizados pela inflação (IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas). O
valor respondia ao atendimento de 43,2 mil segurados, resultando em pagamento
médio por benefício de R$ 997,30.
Em
comparação, de 2013 para 2014, houve um crescimento de 1.893 cárceres
segurados. A ampliação dos segurados implicou em uma alta de 6,2% do montante
comprometido do orçamento público com o auxílio. Além disso, o valor do
benefício médio subiu R$ 18,30, isto é, aumento de 1,8%.
O
Ministério da Previdência Social é responsável pela execução do orçamento do
auxílio-reclusão. O pagamento é efetuado em duas categorias: área rural e
urbana. Em novembro do ano passado, mês de publicação do último Boletim
Estatístico da Previdência Social, a Pasta gastou R$ 51,5 milhões com
benefícios.
Do
valor pago no penúltimo mês do ano passado, R$ 47,8 milhões foram pagos a
família de segurados da área urbana, com média de R$ 1.153,97 por segurado, e
outros R$ 3,7 milhões a família dos segurados de área rural, o equivalente a R$
1.014,17 mensais.
De
acordo com o órgão, o objetivo da iniciativa é garantir a sobrevivência do
núcleo familiar, diante da ausência temporária do provedor. O benefício,
instituído há mais de 50 anos, não é concedido àqueles que, quando detidos, não
trabalhavam ou recebiam salário acima de R$ 1.089,72. Além disso, os
dependentes do segurado podem deixar de recebê-lo. Ele é interrompido quando o
preso obtém liberdade, foge ou progride para a pena de regime aberto.
Fim
do auxílio-reclusão
O
fim do auxílio-reclusão está previsto em Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 304/13, da deputada federal não reeleita Antônia Lúcia (PSC-AC). Além de
acabar com o benefício, os recursos usados para seu pagamento seriam destinados
às vítimas dos crimes, quando sobreviverem, ou para as famílias, em caso de
morte.
De
acordo com o texto da PEC, o novo auxílio deve ser pago à vítima do crime pelo
período em que ela ficar afastada da atividade que garante seu sustento. Já em
caso de morte, é convertido em pensão aos dependentes da vítima.
Para
a ainda deputada, o fato de o criminoso saber que sua família não ficará
totalmente desamparada, se for preso, pode facilitar na decisão de cometer um
crime. “Por outro lado, quando o crime implica sequelas à vítima, impedindo que
desempenhe atividade que garante seu sustento, ela enfrenta hoje um total
desamparo”, defende.
Chamado
pejorativamente de “bolsa-bandido”, segundo Cacicedo, o fim do auxílio-reclusão
não seria benéfico para a sociedade, além de não estabelecer relação direta com
a concessão de novos benefícios aos prejudicados pelo ato criminoso.
“É
uma medida populista, nitidamente para aparecer, que não tem qualquer
correspondência com a realidade. O preso estava contribuindo para a previdência.
Sendo assim, é um direito adquirido que evita de expor seus familiares a uma
situação ainda mais delicada”, afirma.
Ainda
está em votação no portal da Câmara Legislativa uma enquete para consultar a
opinião dos internautas sobre a proposta do fim do auxílio-reclusão.
Atualmente,
ela é a segunda enquete mais votada e apresenta resultado favorável à PEC
304/13. Cerca de 1,6 mil pessoas já votaram, sendo que 95,6% se posicionou a
favor da emenda, 3,9% contra e 0,5% não souberam opinar.
Quanto
à opinião popular, Cacicedo acredita que a maioria das pessoas opina sobre o
assunto de forma inverídica e leviana, baseadas em boatos de rede social e
desinformação. “Reproduzem mentiras, quando na verdade o benefício é para
resguardar a família presa que já está bastante vulnerável”, explica.
Sistema
Carcerário Brasileiro
Logo
nos primeiros dias do ano, houve rebelião no complexo prisional de Pernambuco,
em Curado. Nela, dois presidiários e um policial militar foram mortos. No ano
passado, o palco das rebeliões foi o Paraná, no Complexo Penitenciário de
Cascavel, de onde quatro presos saíram mortos após rebelião.
Entre
as queixas dos detentos, as mais ouvidas – e também mais comumente vistas em
imagens televisivas e fotográficas, como a que ilustra esta reportagem – são sobre
a superlotação dos estabelecimentos prisionais e péssimas condições das
unidades do sistema carcerário brasileiro.
Pela
última contagem do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), de junho de 2014, o
Brasil chegou à proporção de 358 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.
Dos mais de 711,4 mil detentos, 147,9 mil estão em prisão domiciliar e não
ocupam vagas prisionais.
Sem
considerar as prisões domiciliares, o déficit atual de vagas no sistema, de
acordo com a CNJ, é de 206 mil. Contudo, se as prisões domiciliares forem
levadas em conta, o déficit chega a 354 mil vagas.
“O
caos é geral e absoluto. Em São Paulo, por exemplo, além da falta de vagas, não
há equipe básica de saúde para assistências mais primárias dos presos. Os
estabelecimentos femininos estão sem ginecologistas. A situação é caótica como
um todo”, ressalta o coordenador.
Além
disso, contados os mandados de prisão em aberto, de 374 mil, de acordo com o
Banco Nacional de Mandados de Prisão, a população prisional saltaria para 1,089
milhão de pessoas e o problema de superlotação nas unidades prisionais se
acentuaria ainda mais.
Quando
a superlotação do sistema carcerário brasileiro é posto em pauta como um dos
problemas de segurança pública, as administrações públicas do país não entram
em consenso. Entre as propostas, a privatização dos presídios é vista como uma
das possíveis soluções.
O
governo de São Paulo, por exemplo, propõe privatização de penitenciárias,
criando inicialmente 7,2 mil vagas de regime fechado e 3,3 mil no semiaberto.
Outros estados já testam o modelo, como é o caso de Minas Gerais com o Complexo
Prisional de Ribeirão das Neves, em funcionamento desde janeiro de 2013.
Nos
modelos, os complexos são construídos pela iniciativa privada e, além de
administrar os presídios, as empresas recebem um valor mensal por cada detento.
“O
preso passa a ser objeto de negócio e fica interessante ter cada vez mais
presos, leis cada vez mais duras para aumentar a população encarcerada”,
explica Cacicedo.
Contra
a privatização, o defensor publico conta que em países que se adotaram
penitenciarias privadas, como os Estados Unidos, o sistema fracassou. Segundo
ele, houve um boom de encarceramento e, portanto, a tendência é que se piore
ainda mais a situação caso a medida seja adotada.
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