O que são pessoas cis
e cissexismo?
Escrito por Hailey Kaas
Modificado por Adriano Senkevics do original O que é cissexismo?
Modificado por Adriano Senkevics do original O que é cissexismo?
Vivemos
em uma sociedade ciscêntrica, cisnormativa. Isso ocorre porque as pessoas cis
detém o poder de decisão sobre as pessoas não-cis dentro de vários âmbitos:
Médico, Político, Jurídico, Financeiro etc.
Mas quem são as pessoas
cis? Utilizei a seguinte definição a priori:
“Uma
pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento
interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento
interno/subjetivo de gênero, estão ‘alinhados’ ou ‘deste mesmo lado’ – o
prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis
pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.”
As identidades trans* são marginalizadas e patologizadas pela
cisnorma, que sustenta privilégios para as identidades cis e reproduz o
cissexismo.
Uma pessoa cis é aquela
que politicamente mantém um status de privilégio em detrimentos das pessoas trans*,
dentro da cisnorma. Ou seja, ela é politicamente vista como “alinhada” dentro
de seu corpo e de seu gênero.
Quero evitar dicotomizar aqui sexo e gênero, pois muito embora essas categorias sejam divisíveis para problematização, a ideia que a ciência construiu sobre o sexo é pré-discursiva, ou seja, é como se fosse compulsoriamente uma verdade.
Quero evitar dicotomizar aqui sexo e gênero, pois muito embora essas categorias sejam divisíveis para problematização, a ideia que a ciência construiu sobre o sexo é pré-discursiva, ou seja, é como se fosse compulsoriamente uma verdade.
Voltando na definição cis. Eu já havia retificado minha afirmação
prévia em outra postagem, na qual elimino a discussão etimológica sobre o
prefixo cis, porque não é cabível em uma discussão que se quer puramente
política. Não
queremos criar uma dicotomia entre pessoas cis e pessoas trans* e sim
evidenciar o caráter ilusório da naturalidade da categoria cis.
O
alinhamento cis envolve um sentimento interno de congruência entre seu corpo
(morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde o conjunto de performances
é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que foi designada “homem” ou
“mulher”, se sente bem com isso e é percebida e tratada socialmente (medicamente,
juridicamente, politicamente) como tal.
Mas afinal o que é
cissexismo então?
Primeiramente
é a desconsideração da existência das pessoas trans* na sociedade. O apagamento
de pessoas trans* politicamente por meio da negação das necessidades específicas
dessas pessoas. É a proibição de acesso aos banheiros públicos, a exigência de
um laudo médico para as pessoas trans* existirem, ou seja, o gênero das pessoas
trans* necessita legitimação médica para existir. É a negação de status
jurídico impossibilitando a existência civil-social em documentos oficiais.
Porém esses exemplos
são mais óbvios, e poderíamos chamá-los simplesmente de transfobia. O
cissexismo é mais sutil. Ocorre quando usamos o termo biológico
para designar pessoas cis, quando usamos certos discursos e certas expressões
que excluem ou invalidam direta ou indiretamente as identidades das pessoas
trans*.
Logo do Transfeminismo, que mescla elementos masculinos e
femininos e os funde em um novo símbolo.
Cissexismo será, então,
qualquer discriminação baseada em uma ou mais das noções descritas abaixo:
1) Só existe um tipo de morfologia (corpo) e este deve estar alinhado com o gênero designado ao nascer;
1) Só existe um tipo de morfologia (corpo) e este deve estar alinhado com o gênero designado ao nascer;
2) Só
existem dois gêneros (binários: masculino/feminino) e que uma pessoa deve estar
alinhada dentro de um desses dois;
3) Uma
pessoa trans* tem uma vivência menos ‘verdadeira’, e/ou nunca será ‘verdadeira’
se não fizer modificações em seu corpo para ficar mais próxima de um dos gênero
binários;
4) Uma
pessoa precisa estar dentro de um desses gêneros binários, porque senão ela não
será feliz ou não será aceita;
5) As
pessoas que não se encaixam no binário são doentes mentais, tem patologia e
precisam se tratar de algum modo para se curar e que essa cura ou será o
alinhamento ou o processo transsexualizador;
6) O corpo da pessoa trans* é “bizarro” e ela não pode viver no “entre” (na fronteira);
6) O corpo da pessoa trans* é “bizarro” e ela não pode viver no “entre” (na fronteira);
7)
Achar que uma pessoa ‘chama atenção’, ‘dá pinta’, é ‘escandalosa’ e não age
como o esperado do alinhamento cis, e por isso ela irá prejudicar a causa LGBT;
(Atenção porque esse discurso está bastante difundido no meio LGBT!)
8) Uso
de termos ofensivos, mas que muitas pessoas (atenção, LGBT!) não acham
ofensivos, ou evocar arbitrariamente (sem a permissão da pessoa) o nome
designado ao nascer, a experiência “pregressa” (falar em “antes” e “depois” é
cissexista também); termos como ‘transvestir’, ’transformista’, ‘traveco’,
‘transsex’, ‘t-gata’ (sim, ‘t-gata’ é um termo fetichizador cissexista e
sexista também, objetificador: atenção pessoas que se identificam como
“t-lovers”); uso de termos como crossdress, drag, drag queen/king, quando você
não sabe qual é a identidade da pessoa;
9)
Designar arbitrariamente a identidade da pessoa. Conhecer alguém e prontamente
decidir qual é a ID da pessoa baseada na imagem – visual e/ou performática –
(da sua posição cis) que você tem dela. Alinhar pronomes e identidades também é
cissexista;
10) Na simples discriminação pela pessoa não ser cis, por ter
qualquer comportamento diferente do esperado pelo alinhamento cis. Nesse ponto
o sexismo também tem papel importante. Cissexismo e sexismo são faces da
mesma moeda;
Em suma, por que nomear
as pessoas cis?
Como eu disse mais acima, ser cis é uma condição principalmente
política (mas não só). A pessoa que é percebida como cis e mantém status cis
em documentos oficiais não é passível de análise patologizante e nem precisa
ter seu gênero legitimado. Ora homens são homens, mulheres são
mulheres e trans* são trans* correto?
A terminologia cis denuncia o discurso de naturalização das
identidades cis, mostrando que elas são tão construídas quanto as identidades
trans*.
Não. Historicamente, a ciência criou as identidades trans* (e por
isso já nasceram marginalizadas), mas não criou nenhum termo para as
identidades “naturais”. É por isso que a adoção do termo
cis denuncia esse statusnatural. Denotar
cis é o mesmo processo político de nomear trans*: nomeia uma experiência e
possibilita sua análise critica. Nas produções acadêmicas contemporâneas, tanto
das ciências médicas quanto das sociais, a identidade trans* é colocada sempre
sob análise, tornando-se compulsoriamente objeto de critica.
A naturalização das
identidades cis produz privilégios. Esses privilégios são
diretamente percebidos na medida em que, como dito, pessoas cis não precisam
ter sua identidade legitimada pela ciência; tampouco estão classificadas como
doentes mentais em documentos médicos; não sofrem privações jurídicas de
existência em documentos oficiais; não sofrem violência transfóbica e
cissexista; não precisam dar explicações sobre suas identidades; não são vistas
como pervertidas e nem tem sua sexualidade confundida com seu gênero.
Ao nomearmos @s “normais” possibilitamos o mesmo, e colocamos a
categoria cis sob análise, problematizando-a. Buscamos o efeito político de
elevar o status de pessoas cis ao mesmo das pessoas trans*: se
pessoas trans* são anormais e doentes mentais, pessoas cis também o são, suas
identidades também não são “reais”; se pessoas cis são normais e suas
identidades naturais, pessoas trans* também são normais e suas identidades tão
reais quanto.
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Hailey Kaas é
militante transfeminista e autora do blog Transfeminismo.
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