25/02/2015 - 11:18 |
Fonte: STJ
Terceira Turma autoriza
desconstituição de paternidade mesmo após cinco anos de convívio
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu
provimento ao recurso de um homem para permitir a alteração do registro de
nascimento de uma criança em que ele constava como pai. A desconstituição da
paternidade registral foi autorizada diante da constatação de vício de
consentimento: o homem, que vivia com a mãe da criança, só descobriu que não
era o pai biológico após fazer exame de DNA.
Embora a relação paterno-filial tenha durado cinco anos, os
ministros levaram em conta o fato de que o pai registral rompeu os laços de
afetividade tão logo tomou conhecimento da inexistência de vínculo biológico
com a criança.
O recorrente viveu em união estável com a mãe e acreditava ser
mesmo o pai da criança, que nasceu nesse período. Assim, registrou o menor e
conviveu durante cinco anos com ele. Ao saber de possível traição da
companheira, fez o exame de DNA.
Em ação negatória de paternidade, ele pediu o reconhecimento
judicial da inexistência de vínculo biológico e a retificação do registro de
nascimento.
Paternidade socioafetiva
Após o exame de DNA, a mãe – que antes negava a traição – passou
a alegar que o companheiro tinha pleno conhecimento de que não era o genitor,
mas mesmo assim quis registrar o menor como seu filho, consolidando uma
situação de adoção à brasileira.
A sentença concluiu que a paternidade socioafetiva estava
consolidada e devia prevalecer sobre a verdade biológica. O Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou a decisão de primeiro grau e julgou
improcedente a ação negatória de paternidade, afirmando que a criança tem no
pai registral “seu verdadeiro pai” e estruturou sua personalidade “na crença
dessa paternidade”, conforme teria sido demonstrado no processo.
No recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que foi induzido a
erro pela mãe da criança, que teria atribuído a paternidade a ele.
De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ficou
claro que, se o recorrente soubesse da verdade, não teria registrado a criança,
“tanto é assim que, quando soube dos fatos, rompeu definitivamente qualquer
relação anterior, de forma definitiva”.
O ministro considerou as conclusões do tribunal catarinense ao
reconhecer a ocorrência efetiva do vício de consentimento do recorrente, que,
ao registrar a criança, acreditou verdadeiramente que ela era fruto de seu
relacionamento com a mãe.
Segundo o relator, se até o momento do exame de DNA a genitora
alegava que o menor era filho do recorrente e que nunca houve ato de
infidelidade, é “crível” que ele tenha sido induzido a erro para se declarar
pai no registro de nascimento.
Disposição voluntária
Para Bellizze, a simples incompatibilidade entre a paternidade
declarada no registro e a paternidade biológica, por si só, “não autoriza a
invalidação do registro”.
Há casos, acrescentou o relator, em que o indivíduo, ciente de
que não é o genitor da criança, “voluntária e expressamente” declara ser o pai
no momento do registro, estabelecendo a partir daí vínculo de afetividade
paterno-filial, como ocorre na chamada adoção à brasileira.
O ministro afirmou que a doutrina considera a existência de
filiação socioafetiva apenas quando há clara disposição do apontado pai para
dedicar afeto e ser reconhecido como tal. É necessário ainda que essa
disposição seja voluntária. “Não se concebe, pois, a conformação dessa espécie
de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de
consentimento”, concluiu.
Quando a adoção à brasileira se consolida, segundo o relator,
mesmo sendo antijurídica, ela não pode ser modificada pelo pai registral e
socioafetivo, pois nessas situações a verdade biológica se torna irrelevante.
Relação viciada
Bellizze destacou que no caso em julgamento não houve adoção à
brasileira, mas uma relação de afeto estabelecida entre pai e filho registrais,
baseada no vício de consentimento originário, e que foi rompida completamente
diante da ciência da verdade dos fatos, há mais de oito anos – período superior
à metade dos atuais 15 anos de vida do menor.
“Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro
substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de
consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que
voluntária e conscientemente o queira”, afirmou.
O relator disse que a filiação socioafetiva pressupõe “a vontade
e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente”,
circunstância ausente no caso.
Segundo o ministro, “cabe ao marido (ou ao companheiro), e
somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente
oriunda da relação estabelecida com a genitora, de modo a romper a relação
paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade
de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno
conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/companheiro
(hipótese que não comportaria posterior alteração)”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo
judicial.
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