Código de Menores de 1927 foi usado para proibir Grande Otelo de atuar no teatro
Ricardo Westin | 07/07/2015, 10h07
- ATUALIZADO EM 07/07/2015, 14h33
Em 1927, o ator Grande Otelo ganhou as páginas policiais da imprensa carioca. Ele era um prodígio de 11 anos que brilhava no elenco da Companhia Negra de Revistas, que percorria o Brasil apresentando peças teatrais.
Na época, seu nome artístico era Pequeno Otelo. O Globo informou
que ele “é tenor, é preto, muito preto, da cor do smoking que vestia, é
prodigioso quando recita e canta, como é engraçadíssimo quando palestra”.
O Jornal do Brasil resumiu o espetáculo: “O clou [clímax] foi
a apresentação do Pequeno Otelo, um crioulinho vivo e inteligente, que canta e
declama com expressão e desenvoltura”. O Jornal descreveu o
Pequeno Otelo como “um pretinho interessantíssimo que pisa o palco como um
artista já feito”.
Tamanho sucesso chamou a atenção do juiz de menores do Distrito
Federal, Mello Mattos. O tribunal havia sido criado em 1924, o primeiro do tipo
na América Latina. Mello Mattos, implacável na proteção dos pequenos, encontrou
problemas sérios na Companhia Negra de Revistas.
O Código de Menores de 1927 — que teve Mello Mattos como
artífice — previa que os menores de 18 anos não poderiam atuar nos palcos como
atores nem como figurantes. Além disso, segundo o Jornal do Brasil,
o Pequeno Otelo “vinha trabalhando excessivamente em proveito de pessoas pouco
escrupulosas, que exploravam o valor do pequeno artista”.
Por ação de Mello Mattos, a carreira do Pequeno Otelo foi
suspensa. Após o incidente no Rio, os pais adotivos do menino decidiram
retirá-lo do grupo e levá-lo de volta para São Paulo. Ele voltaria aos palcos
só na década seguinte, já como Grande Otelo.
Semanas depois desse episódio, o juiz
Mello Mattos mandou fechar o Teatro João Caetano, hoje a casa de espetáculos
mais antiga do Rio, por causa de uma matinê que ele considerou imprópria para
as crianças. Na sentença, escreveu que o espetáculo tinha “danças lascivas,
vestuários indecentes, trocadilhos maliciosos e outros inconvenientes”. Além
disso, “a distribuição gratuita de frasquinhos de cheiros e bombons aos
assistentes de menor idade não transforma o espetáculo em matinê infantil, e
nada mais é do que um reclame em favor das fábricas que oferecem tais presentes
e um engodo para atrair maior número de espectadores”.
Os donos de vários outros teatros do Rio se uniram contra o juiz
e, em protesto, fizeram uma espécie de greve e baixaram as portas. Para eles,
Mello Mattos queria matar o teatro nacional.
O juiz também teve problemas com as famílias mais abastadas. Um
dos artigos do Código de Menores estabelecia que os menores de 14 anos não
poderiam frequentar “salas de espetáculos cinematográficos” que terminassem
depois das 20h nem mesmo na companhia dos pais. Ao tentar impor a lei, Mello
Mattos sentiu reações violentas. Pais que se sentiram afrontados entraram na
Justiça e conseguiram habeas corpus para assistir aos filmes com os filhos. Os
habeas corpus tinham caráter geral, não valiam só para as famílias que
recorreram, mas o juiz não aceitou a decisão e tentou manter a proibição.
Acabou sendo punido com um mês de suspensão do juízo de menores.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência
Senado)
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