Cuba: abertura revela
esquema bizarro de acesso a conteúdo na internet
Por Redação
em | 10.07.2015 às 09h31
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Por décadas Cuba foi descrita
como uma nação misteriosa e reclusa governada por um ditador alucinado que
sequer queria ouvir de capitalismo. Aos poucos, essa realidade está mudando
graças a abertura econômica que paulatinamente vem sendo promovida por Raul
Castro e cada vez mais o arquipélago caribenho vem se aproximando das grandes nações capitalistas.
Esse processo, claro, tem
permitido que os cubanos experimentem várias tecnologias que antes eram deveras
proibitivas, seja por restrições do governo local seja pelos preços
exorbitantes cobrados por elas. E uma delas é a nossa mais do que conhecida
internet, que aos poucos vem sendo oferecida para a população da ilha - em alguns pontos até de forma gratuita.
O mais interessante de tudo é
que esse mix de abertura econômica e maior popularidade da internet tem
evidenciado situações para lá de bizarras, principalmente no que diz respeito a
obtenção de conteúdo que normalmente acessamos com uma simples pesquisa no
Google ou YouTube. Explicamos: em Cuba, todo e qualquer tipo de mídia é de
propriedade do governo e a população só tem acesso ao que as autoridades
permitem. O problema é que a gente sabe que é um tanto quanto difícil controlar
as coisas quando estamos falando de internet e computadores. E os cubanos,
claro, têm um esquema digno de cartel de drogas para difundir conteúdo
multimídia que antes era proibido.
Quem conta como funciona o
esquema é a jornalista Sarah Kessler, que há algum tempo relata como os
habitantes do país vêm lidando com o acesso à internet. Ela conta que algumas
pessoas estão se aproveitando do caro acesso à internet para montar negócios
baseados na venda de arquivos. Em locais discretos, essas pessoas geralmente
têm apenas um computador repleto de programas, videoclipes, músicas e jogos de
videogame, que são vendidos aos clientes em pendrives.
Locais como a "Garag
Digital" funcionam como uma espécie de cyber café, só que com apenas um
computador controlado pelo proprietário do local. Além de impressões e
consertos de computadores, local é "revendedor oficial" do chamado
"Le Paquete Semanal". (Imagem: Reprodução / Fast Company)
Não é errado dizer que essas
pessoas funcionam como um intermediário entre o grande público e o mundo que
conhecemos aqui fora na Internet. É tanto que vários lugares vendem o "El
Paquete Semanal", uma espécie de apanhadão de tudo o que bombou na rede tanto
na ilha quanto no restante do mundo. Clientes assíduos do tal pacote levam seus
pendrives a muquifos tecnológicos, que também oferecem serviços como impressão
e manutenção de computadores, toda semana e saem de lá com o que há de mais
"moderno" no momento para visualizar offline no computador de
casa.
E é assim mesmo, offline, que a
maioria dos cubanos sabe o que está rolando de bom na rede. Há um app
interessante, chamado Revolico,
que funciona como uma espécie de MercadoLivre, onde as pessoas anunciam todo
tipo de apetrecho possível, com formas de contato e meios de pagamento para
receber ou ir buscar o produto - nada de lances online e pagamento em cartão de
crédito.
Adolescentes revendem o
conteúdo adquirido nos pontos de venda "oficiais" do "Le
Paquete" em toda sorte de local, até mesmo debaixo de escadas em
localidades mais afastadas, num verdadeiro esforço coletivo para acesso à
informação (Imagem: Reprodução / Fast Company)
Restaurantes, por sua vez,
anunciam seus serviços em outro "app", AlaMesa, que cobra extras
para adicionar opções de menu e imagens dos pratos. Artistas também têm seu
espaço reservado no Vistar,
uma espécie de revista-guia com os melhores artistas locais para a população
local e turistas. "Temos muitos bons artistas em Cuba e eles nunca tiveram
a oportunidade de divulgar seus trabalhos como o estão fazendo agora", diz
Robin Pedraja, diretor criativo do Vistar, que mantém uma equipe de 20 pessoas
para elaborar conteúdo para o app.
Como dissemos anteriormente,
todo conteúdo de mídia é de propriedade do governo cubano, logo você já deve
ter percebido que o "El Paquete" é algo ilegal - e realmente é. Ainda
assim, a população não se importa e acredita que esse método obscuro de obter
acesso à informação é benéfico para todos. O próprio governo sabe da existência
do pacotão, mas aparentemente não encontra meios de impedir sua distribuição já
que o local exato de origem do apanhadão semanal é desconhecido.
Apesar de uma aparente natureza
amadora, a verdade é que o apanhadão semanal conta com conteúdo de qualidade,
como o da revista "Vistar". Foco da publicação é a divulgação de
artistas locais, que "nunca tiveram a chance" de verdadeiramente
mostrar seu trabalho (Imagem: Reprodução / Fast Company)
Questionados sobre de onde vem
aquilo, ou como ele chega em suas mãos, os distribuidores desconversam e dizem
que o local de origem do "El Paquete" é igual a caviar e todo mundo
só ouve falar. "É uma lenda", alguns afirmam. Apesar de todo esse
mistério, há quem acredite que o sistema que mais parece uma rede de torrents
offline começou com um jovem chamado Elio Hector Lopez, de 26 anos.
Em 2008, quando era empregado
de um banco em Cuba, Elio começou a usar a internet do local para baixar
músicas e montar setlists para tocar na noitada cubana. Vários DJs começaram a
procurá-lo e ele começou a cobrar pelas faixas, transformando o hobbie em um
negócio. A partir de então, o rapaz começou a baixar outros tipos de conteúdo -
jogos de videogame, filmes, videoclipes, séries de TV - e reuniu tudo isso num
pacotão inicial de 500 GB e um arquivo de texto com informações para quem
quisesse fazer parte do "bolo".
Entrevistado pela jornalista, o
"magnata" da internet de Cuba - que na verdade diz ganhar pouquíssimo
dinheiro com a empreitada - conta que todo o processo envolve o hackeamento de
um satélite de telecomunicação, que fornece acesso à internet a ele seus
"comparsas". Além disso, várias pessoas de Cuba e de outros lugares
do mundo são pagas pela equipe de Elio para enviar conteúdo em pendrives ou HD
externos para ele, seja por carro, embarcação ou avião. A partir dali o
conteúdo é repassado para revendedores, que cobram aproximadamente a pequena
fortuna de US$ 2 por 16 GB de arquivos num pendrive.
Elio Hector Lopez é considerado
o criador do "El Paquete". Segundo ele, montagem do pacotão envolve o
hackeamento de um satélite de comunicação e envio de pendrives até mesmo do
exterior (Imagem: Reprodução / Fast Company)
Para maximizar os ganhos, Elio
e sua equipe também aceitam encomendas de publicidade, que pode ser inserida no
final de músicas e arquivos de vídeo. Segundo ele, graças a essas edições
nesses arquivos para inserção da publicidade é que eles conseguem dobrar o
faturamento.
A maracutaia, digna de tráfego
de drogas em favelas brasileiras, já é tão conhecida no território comunista
que até mesmo ex-funcionários do alto escalão do governo a conhecem - e a
defendem. "Proibir é estupidez", defende Carlos Alzugaray Treto, que
já trabalhou como diplomata para o governo do país. "Não há como fazê-lo.
Envolveria o desmantelamento de muitos pequenos negócios, o que torna isso
inviável", argumento. Elio vê tudo com outros olhos e acredita que
"acabar com isso irá revoltar a população, que acabará se voltando contra
o governo".
Com a internet cada vez mais
acessível, no entanto, é provável que "El Paquete" acabe por si só. À
medida que o acesso for se popularizando, cada vez mais empresas investirão no
país, o que acabará minando a atuação de Elio e sua trupe. Ele mesmo tem
consciência disso e expõe que a chegada de serviços como Yelp e eBay "fará
o apanhadão desaparecer" do mapa e obrigará aqueles que atuam na
"internet offline" do país a migrarem para o que conhecemos, de fato,
como internet.
Fonte: Fast Company
Matéria completa: http://canaltech.com.br/noticia/curiosidades/cuba-abertura-revela-esquema-bizarro-de-acesso-a-conteudo-na-internet-44815/#ixzz3faNzmq8l
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