A
crença no inferno é popular e faz parte da percepção básica da religião na
cultura cristã. No entanto, alguns dizem que a evidência de tal castigo eterno
é praticamente inexistente. Confira os dez argumentos abaixo e diga o que você
acha:
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10. A Bíblia mal menciona algo como o inferno
De acordo com Romanos 6:7, “todo aquele que morreu já foi justificado do pecado”. Se os pecados de uma pessoa são apagados com a sua morte, por que existir a punição adicional do inferno?
Romanos 6:23 prossegue, afirmando que
“o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna por
intermédio de Cristo Jesus, nosso Senhor”. Note que não há nenhuma menção dos
pecadores sendo condenados à tortura eterna; eles simplesmente não recebem a
recompensa por uma vida justa.
Da mesma forma, 2 Tessalonicenses 1:9
diz que “Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação permanente da presença
do Senhor e da majestade do seu poder”. Ou seja, a punição para aqueles
considerados ímpios não é tortura de fogo, mas a destruição.
João 3:36 afirma algo parecido. “Quem
crê no Filho tem a vida eterna; aquele que não crê no Filho não verá a vida,
mas a ira de Deus permanece sobre ele”.
Enquanto isso, Judas 1:7 menciona “fogo
eterno”, mas apenas no contexto de Sodoma e Gomorra, literalmente destruídas
pelo fogo eterno da ira de Deus.
Algo remotamente parecido com a visão
de “inferno” da cultura popular aparece em breves menções no Livro do
Apocalipse e duas das parábolas de Cristo. Mas se um lugar de tormento eterno
foi realmente concebido como um componente integral do cristianismo, não é
estranho que a Bíblia nunca parece prestar atenção a ele?
9. Interminável castigo não faz sentido bíblico
De uma perspectiva cristã, a ideia do inferno não é apenas cruel e incomum, bem como totalmente excessiva. Será que um Deus descrito na Bíblia como verdadeiro, justo e correto aprovaria algo como punição eterna?
1 João 4:8 diz que “Aquele que não ama
não conhece a Deus, porquanto Deus é amor”. Será que um Deus que é o próprio
conceito de amor torturaria eternamente um filho Seu como castigo, mesmo que
ele tivesse feito algo ruim?
Deuteronômio 19:21 afirma: “Portanto,
não considerarás com piedade esses casos: alma por alma, olho por olho, dente
por dente, mão por mão, pé por pé!”. Tal sanção de igualdade parece um pouco
fora de sincronia com a ideia de uma angústia literalmente infinita.
O inferno popular parece ainda mais
bizarro depois de considerar as palavras de Deus em Jeremias 7:31: “Eles
construíram o alto de Tofete no vale de Ben-Hinom, a fim de queimarem seus
próprios filhos e filhas como holocausto, sacrifício que jamais ordenei e nem
sequer pensei em requerer”. Se a ideia de seres humanos sendo queimados é tão
desagradável para Deus que nunca sequer entrou em Seus pensamentos, o que diria
Ele então do inferno?
8. Muitas referências ao inferno foram erros de tradução
Quando se trata de equívocos sobre o inferno, a popular versão da Bíblia do rei Jaime, do século 17, é campeã. Nela, o profeta Jonas esteve na “barriga do inferno”, enquanto Davi insiste que Deus estaria com ele mesmo no inferno. Até Jesus aparece no inferno após a sua morte na cruz. Isto, obviamente, não faz sentido.
A Bíblia afirma repetidamente que o
inferno, o que quer que seja, envolve a separação de Deus. Então, por que Jesus
aparece por lá e Davi está tão seguro de que Deus estaria com ele lá?
A resposta é que essa versão traduziu
um monte de diferentes palavras gregas e hebraicas sob o termo “inferno”. As
palavras em questão são Hades, Sheol, Tártaro e Geena, com significados muito
diferentes em seu contexto original. Por exemplo, Hades e Seol, que são
palavras mais ou menos equivalentes em grego e hebraico, não podem nem
razoavelmente ser traduzidas como “lugar de tormento”, algo que a palavra
“inferno” geralmente implica. Uma tradução melhor seria “sepultura” ou “vida
após a morte”. Esses termos sequer carregam um juízo de valor como o do
“inferno”, uma vez que somente os ímpios vão para o inferno, mas todas as almas
vão para Sheol após a morte.
A Nova Versão Internacional da Bíblia
faz uma referência muito menos dramática de certas passagens. Ela se refere ao
inferno somente 15 vezes, em comparação com 54 menções na Bíblia do rei Jaime.
Ainda assim, muita confusão e desentendimento foram causados pelos primeiros
tradutores da Bíblia.
7. Geena é controversa
Já explicamos que “Hades” e “Sheol” não correspondem à percepção moderna do inferno. “Tártaro” é também ocasionalmente traduzido como “inferno”, mas o termo só aparece uma vez na Bíblia, e não em relação aos seres humanos, por isso tem pouca relevância. E quanto à “Geena”?
Esse é certamente o termo bíblico mais
traduzido como “inferno”. Por exemplo, a Nova Versão Internacional de Mateus
5:30 afirma: “E, se tua mão direita te fizer pecar, corta-a e atira-a para
longe de ti; pois te é melhor que um dos teus membros se perca do que todo o
teu corpo seja lançado no inferno”. Assustador, não? Tudo se resume à
controvérsia sobre o significado exato de “Geena” expressa aqui como “inferno”.
A palavra em si é uma tradução grega
dos termos hebraicos “ge-hinnom” e “ge-ben-hinnom”, que significam “vale dos
filhos de Hinom” e se referem a um vale real próximo a Jerusalém antiga. O vale
aparece pela primeira vez no Antigo Testamento como a localização de sacrifícios
pagãos de crianças, que continuam pelo menos até 2 Reis 23:10, que descreve
como Josias destruiu o lugar de tal ordem que “ninguém mais conseguiu
sacrificar ali seus filhos e filhas, queimando-os em adoração ao deus Moloque,
como era costume se fazer”.
Uma explicação é que, na época de
Jesus, o termo Geena foi aparentemente usado metaforicamente para se referir a
um lugar de destruição. É interessante notar que o hebraico não tem nenhuma
palavra para tal conceito e Jesus aparentemente não sentiu necessidade de
introduzir um, preferindo fazer alusões históricas.
Ou então, segundo alguns estudiosos, o
vale de Geena tornou-se de fato um lugar essencialmente incinerador na época de
Cristo. Ele constantemente consumia o lixo da cidade e os corpos de criminosos
e desonrados. Esta tradição é bastante antiga, mas não é suportada por qualquer
evidência ou relatos antigos. Em qualquer caso, nenhuma das referências de
Cristo a Geena sugerem qualquer tipo de tormento eterno. Remover os injustos da
existência, como os versículos sugerem, não soa particularmente parecido com
torturá-los para sempre.
6. Jesus não inventou parábolas sobre o inferno
A ideia de um inferno de fogo é quase completamente alheia à Bíblia, exceto por algumas menções incluindo a parábola do homem rico e Lázaro, conforme registrado em Lucas 16:19-31.
Na história, um homem rico ignora a
vida toda um mendigo, chamado Lázaro. Mas o par de experimenta uma inversão de
papéis após suas mortes, quando Lázaro é levado pelos anjos para uma existência
feliz no seio de Abraão, enquanto o homem rico se vê atormentado em um fogo
ardente. O homem rico implora a Lázaro para ter pena dele e trazê-lo um pouco
de água, mas Abraão ressalta que o homem rico viveu uma grande vida e nunca
teve pena de Lázaro. Abraão também se recusa a ressuscitar Lázaro para avisar a
família do homem rico para mudar suas maneiras, argumentando que eles podem
optar por seguir os profetas ou não, mas testemunhar um milagre não vai de
repente transformá-los em boas pessoas.
Este é provavelmente o mais próximo que
a Bíblia chega da concepção moderna do inferno. No entanto, é importante notar
que a Bíblia não apresenta essa parábola como uma história verdadeira ou uma
advertência direta sobre a vida após a morte. As parábolas de Cristo são
claramente histórias fictícias destinadas a transmitir uma mensagem.
O conto do homem rico e Lázaro é
precedido pela parábola do mordomo infiel, onde um servo defrauda seu mestre e
é recompensado por isso. Se você ignorar o significado mais profundo das
parábolas, concluirá que Jesus achava que roubar de seu chefe era uma coisa
boa.
Só que, na verdade, essas parábolas nem
sequer foram criadas por Jesus. Estudiosos há muito identificaram o esboço
geral dessa história de Lázaro (o mendigo recompensado após a morte, enquanto o
homem rico é punido) como um conto popular egípcio conhecido de instrutores
religiosos judeus, como os fariseus, ao ponto da literatura judaica primitiva
conter pelo menos sete versões da narrativa.
No relato de Lucas, Jesus só conta a
parábola do homem rico depois que os fariseus zombam de sua parábola original
do mordomo infiel, usando uma de suas próprias histórias favoritas para
demonstrar a hipocrisia de tais fariseus.
5. Vários versículos sobre um lugar como o inferno não são
conclusivos
A Bíblia contém uma referência à tortura de fogo eterno em Apocalipse 20:10-15: “Eles serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos”. Mas quem são “eles”? Coisas como o Diabo, a Besta e o Falso Profeta, que não são pessoas reais. Em outras palavras, tal referência é um simbolismo.
Existe também a parábola da ovelha e
dos bodes, como encontrada no Livro de Mateus. Na história, Jesus aparece para
falar do Juízo Final: “Ide para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus
anjos”. A parábola termina com uma aparente referência ao tormento sem fim:
“Sendo assim, estes irão para o sofrimento eterno, porém os justos, para a vida
eterna”.
Essa passagem é considerada a chave por
trás da concepção popular de inferno. No entanto, muitos teólogos argumentam
que essa interpretação contradiz uma série de outros versículos da Bíblia que
explicam o destino dos ímpios no Juízo Final como a destruição através da
“segunda morte”.
Se os injustos são destruídos, eles não
podem ser atormentados para sempre. Alguns estudiosos bíblicos argumentam que,
enquanto o fogo da punição é descrito como eterno, isso não significa que os
ímpios serão punidos por toda a eternidade. Em outras palavras, a punição
eterna (“aionios kolasis”) dura para sempre, mas a própria punição é
simplesmente destruição imediata.
Testemunhas de Jeová e outros grupos
que não acreditam no inferno vão ainda mais longe, argumentando que a palavra
kolasis não deve ser traduzida como “punição”. Citando sua derivação de um
termo grego para “poda de árvores”, eles sugerem que seria melhor traduzida
como “corte”, “destruição” ou mesmo “morte”. A última interpretação
transformaria “aionios kolasis” em “morte eterna”, um agradável contraste com a
“vida eterna” prometida aos justos.
O termo “kolasis” só aparece duas vezes
no Novo Testamento, mas o Velho Testamento em grego usa a palavra para se
referir a punição em geral, e a morte como uma forma de punição, sugerindo que
“punição eterna” e “morte eterna” são duas traduções válidas.
4. Mesmo os primeiros padres não concordavam sobre a existência
do inferno
Nem mesmo os primeiros padres das igrejas cristãs primitivas concordavam em seus conceitos sobre o inferno. Justino Mártir, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Cipriano estavam entre aqueles que consideravam que o inferno era um lugar literal de tormento ardente. Orígenes e Gregório de Níssa discordavam, dizendo que o inferno era simplesmente a separação de Deus.
Embora a ideia de condenação eterna de
fogo possa ser encontrada tão cedo quanto no livro apócrifo do século II
“Apocalipse de Pedro”, não parece ter-se tornado dominante no pensamento
cristão até por volta do século V dC. Ironicamente, essa visão foi fortemente
inspirada pelo filósofo e matemático grego Platão, que não era cristão, e a
quem o historiador francês Georges Minois creditou com “a maior influência
sobre as visões tradicionais do inferno”.
O Mito de Er de Platão apresenta uma
vida futura em que os pecadores são punidos ou recompensados na proporção de
suas más ações na vida. Seja qual for sua opinião sobre a existência do
inferno, as punições específicas citadas por Platão definitivamente não têm
apoio bíblico. Mesmo assim, podem ser detectadas em muitas versões populares de
um inferno, mais notavelmente o Inferno de Dante.
Nos tempos modernos, muitas
denominações cristãs se afastaram da concepção do Inferno de Santo Agostinho
como um lugar físico abaixo da Terra. Por exemplo, desde 1992, através de uma
decisão do Papa João Paulo II, ensina-se no Catecismo que o inferno é
simplesmente um estado de “autoexclusão definitiva da comunhão com Deus e com
os abençoados”.
3. Alguns aspectos do inferno parecem distintamente não cristãos
Vários aspectos da visão de inferno parecem emprestados de outras culturas. Por exemplo, a religião egípcia antiga contava com uma caverna possuindo um “lago de fogo” onde as almas dos ímpios eram punidas por suas transgressões. Os primeiros mesopotâmios também acreditavam que o submundo era subterrâneo, embora não fosse um lugar de castigo eterno.
Uma comparação particularmente interessante
pode ser feita entre a ideia popular de inferno e o Zoroastrismo, uma religião
antiga originada no que hoje é o Irã. Nos primeiros textos zoroastristas, as
almas dos pecadores são julgadas após a morte e condenadas a punição eterna no
submundo, que o Livro de Arda Viraf descreve como um poço cheio de fogo, fumaça
e demônios. As almas são torturadas de acordo com a gravidade de seus pecados
em vida, e tal tortura é presidida por Angra Mainyu, “o grande espírito do
mal”. Isso soa muito parecido com o inferno da cultura pop moderna.
Esses detalhes não têm nenhuma base na
Bíblia. O Inferno zoroastrista é composto por demônios e governado por uma
figura diabólica, enquanto o Diabo cristão e seus seguidores não têm nenhum
papel na vida após a morte e são o único grupo claramente destinado a punição
em “Tártaro”.
2. O conceito é estranho ao Antigo Testamento
Mesmo as menções fracas ao inferno no Novo Testamento parecem melhores em comparação com o Antigo Testamento, que claramente não mostra nenhum conceito de um lugar de tormento eterno.
Escrituras como Jó 3:11-17 sugerem que
a morte é simplesmente uma cessação: “Ora, por que não me foi tirada a vida
ainda no ventre de minha mãe? Por que não morri ao nascer? (…) Porquanto, se
assim fora, agora estaria dormindo, jazeria em paz e desfrutaria de
tranquilidade e descanso. (…) Se minha mãe tivesse tido um aborto, às
escondidas, eu não teria continuado a existir e seria como as crianças que
nunca viram a luz do dia. Na sepultura termina a ambição e a maldade dos
ímpios, ali também repousam em paz os atribulados pela vida”.
Eclesiastes 3:19 soa ainda mais cético
sobre a possibilidade de vida após a morte: “Porquanto a sorte do ser humano e
a do animal é idêntica: como morre um, assim morre o outro, e ambos têm o mesmo
espírito, o mesmo fôlego de vida; de fato, o ser humano não tem vantagem alguma
sobre os animais. E, assim, tudo não passa de uma grande ilusão!”.
Mesmo no início da Bíblia, em Gênesis,
a punição de Adão e Eva por não ouvir as instruções de Deus e comer do fruto
proibido não foi a ameaça do fogo do inferno, mas sim de morte: “porque tu és
pó e ao pó da terra retornarás!”.
1. O inferno é simplesmente uma tática de intimidação
Como vimos até agora, um estudo cuidadoso da Bíblia sugere que a ideia de inferno como castigo eterno não é verdadeira, ou não tem base na religião cristã. Então, por que tanta gente, até mesmo dentro da Igreja Católica, insiste nisso até hoje?
Não se pode negar que a ideia de
inferno tem sido usada como uma tática de intimidação para manter as pessoas na
linha ou atingir um objetivo desejado há muito tempo. Por exemplo, se as
pessoas não temessem o inferno, por que comprariam um lugar no céu?
Até figuras como a Rainha Maria I da
Inglaterra usaram a doutrina como uma desculpa para perpetrar barbáries. Antes
de sentenciar um grupo de protestantes para ser queimado vivo, ela supostamente
declarou que tal punição era adequada para seus corpos na Terra, visto que suas
almas eternamente queimariam no inferno.
Mesmo nos tempos modernos, o tema
“acredite ou você vai para o inferno” é comum, completo com descrições vívidas
de ranger de dentes, gritos dos condenados e odor de carne escaldante. Como
tantas outras táticas de chantagem, a ideia de “arder no fogo do inferno” pode
exercer um apelo poderoso sobre os crentes.
Para finalizar a argumentação contra um
inferno, voltemos mais uma vez à parábola do homem rico e Lázaro, frequentemente
citada como “prova bíblica” da doutrina do inferno. Muitos poderiam dizer que,
na verdade, ela carrega a mensagem oposta. No final da parábola, Abraão não
concorda em enviar Lázaro de volta à Terra para advertir os pecadores do
destino terrível que os aguarda na vida após a morte justamente porque ele
acredita que a justiça só pode vir da crença, ao invés do medo de alguma
punição sobrenatural. [Listverse]
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