A RELAÇÃO ENTRE A INTELIGÊNCIA E A PREGUIÇA
PELO PRINCÍPIO 14.08.2016 às 13h39 Luís Valente RosaO melhor é parar com o exercício físico
Leio no Diário de Notícias que um estudo de uma universidade americana, considerado «robusto» pelo jornal britânico The Independent, evidência, ao longo de 30 anos de investigação, uma correlação entre a inteligência (através de uma medição de Q. I.) e a «fraca actividade física» dos estudantes. O estudo concluiu que «os que pensam menos» aborrecem-se e vão «fazer qualquer coisa», enquanto os outros, deduz-se, ficam sossegados a pensar.Esta notícia interessante suscita-me alguns comentários que gostaria de partilhar.
1. A correlação mede ligações entre variáveis. E qualquer cientista que não despreze a Estatística e «os números» (porque os há aos montes) sabe que vai uma grande distância entre uma correlação e a identificação de uma relação de causalidade. Por exemplo, é célebre a relação estatística – evidenciada há muitos anos, não sei se ainda e onde se mantém – entre o número de cegonhas por habitante de uma localidade e o número de filhos dos seus habitantes. Como a correlação era forte, poderia deduzir-se que, afinal, sempre eram as cegonhas que... Estupidez! Havia uma explicação muito simples: era no meio rural que havia mais cegonhas e também era no meio rural que a natalidade era maior. Logo, era nos locais onde havia mais cegonhas que havia mais nascimentos. Mas não era por haver cegonhas que existiam os nascimentos. A correlação apenas diz que duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Mas não diz que uma é causa da outra. Assim, parece-me precipitado dizer que a preguiça é causa da inteligência.
2. Não sei o que é que a falta de actividade física tem a ver com o pensar. Se os menos activos pensam muito, então a sociedade americana e os seus «rednecks» a atafulharem-se de comida e televisão devem ser os maiores pensadores do mundo.
3. Não consigo compreender a associação da falta de actividade física à preguiça. Para mim, é a inversão total da lógica. Porque, na minha opinião, o preguiçoso é o
sujeito que não trabalha. Ou trabalha pouco. Ora, quando uma pessoa está a praticar actividade física (presumo que se estejam a referir a esse vislumbre de génio que consiste em correr horas a fio ou andar de bicicleta) não está a trabalhar. A não ser que a pessoa tenha uma actividade manual. Portanto, eu diria – na minha inocência um pouco cínica – que o mais preguiçoso é o que pratica actividade física. Porque se está a baldar ao estudo (estamos a falar de estudantes), ou seja, ao trabalho. Quer dizer que o aluno que estuda mais (ocasionalmente também pode ser o que pensa mais) tem menos tempo para cuidar do corpo.
4. Por fim, não concordo com o raciocínio que parece estar por detrás das conclusões da investigação. Que é este: o estudante é muito inteligente, logo pensa muito; ocupado a pensar, desleixa a actividade física. Ora, tal como escrevi aqui numa crónica anterior, as pessoas (acho eu) não têm mau aproveitamento na escola por ser menos inteligentes. É o contrário: são menos inteligentes por terem tido mau aproveitamento na escola (na altura escrevi algo mais cru: as pessoas não ignorantes por serem burras, são burras por serem ignorantes). O que eu quero dizer é que a inteligência se desenvolve ao longo da vida (sobretudo claro, nas idades mais jovens, que é quando ainda temos neurónios para isso) e é o fruto do estudo, da leitura e da actividade intelectual. Não me parece que seja fruto do «jogging». Logo, é natural que os mais activos fisicamente sejam os menos inteligentes.
Tudo isto mostra como uma investigação supostamente científica (por ter origem numa universidade) pode estar dominada por uma perspectiva de tipo cultural, neste caso, totalmente dependente da obsessão que uma certa franja da sociedade americana (com pretensões elitistas) tem a respeito do culto do corpo.
Mas tudo isto também me lembra uma das muitas máximas do Churchill. Já no fim da vida, uma jornalista entrevista-o e pergunta-lhe como foi possível ele viver até tarde com o tipo de vida que teve: muitas emoções e noites sem dormir, muita comida, muito champanhe e constantes charutos. Resposta dele: «ginástica». Ginástica? – perguntou ela. «Sim. Nunca fiz.»
Fonte: http://visao.sapo.pt/opiniao/pelo-principio/2016-08-14-A-relacao-entre-a-inteligencia-e-a-preguica
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