TODO FILHO É PAI DA MORTE DE SEU PAI!
"Há uma quebra na história familiar
onde as idades se acumulam e se sobrepõem e
a ordem natural não tem sentido:
é quando o filho se torna pai de seu pai.
É quando o pai envelhece e começa a trotear
como se estivesse dentro de uma névoa.
Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai
que segurava com força nossa mão
já não tem como se levantar sozinho.
É quando aquele pai,
outrora firme e intransponível, enfraquece de vez
e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai,
que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira,
só geme, só procura onde é a porta e
onde é a janela - tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai,
antes disposto e trabalhador,
fracassa ao tirar sua própria roupa e
não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos,
não faremos outra coisa senão trocar de papel
e aceitar que somos responsáveis por aquela vida.
Aquela vida que nos gerou depende
de nossa vida para morrer em paz.
Todo filho é pai da morte de seu pai.
Ou, quem sabe,
a velhice do pai e da mãe
seja curiosamente nossa última gravidez.
Nosso último ensinamento.
Fase para devolver os cuidados
que nos foram confiados ao longo de décadas,
de retribuir o amor com a amizade da escolta.
E assim como mudamos a casa
para atender nossos bebês,
tapando tomadas e colocando cercadinhos,
vamos alterar a rotina dos móveis
para criar os nossos pais.
Uma das primeiras transformações
acontece no banheiro.
Seremos pais de nossos pais
na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica.
A barra é inaugurar um cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante,
agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores.
Não podemos abandoná-los em nenhum momento,
inventaremos nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais
tem braços dos filhos pelas paredes.
Nossos braços estarão espalhados,
sob a forma de corrimões.
Pois envelhecer
é andar de mãos dadas com os objetos,
envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.
Seremos estranhos em nossa residência.
Observaremos cada detalhe
com pavor e desconhecimento,
com dúvida e preocupação.
Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados.
Como não previmos que
os pais adoecem e precisariam da gente?
Nos arrependeremos dos sofás,
das estátuas e do acesso caracol,
nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte,
e triste do filho que aparece somente no enterro
e não se despede um pouco por dia.
Meu amigo José Klein acompanhou o pai
até seus derradeiros minutos.
No hospital,
a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca,
buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
e — Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e
pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer:
pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo,
um tempo equivalente à sua infância,
um tempo equivalente à sua adolescência,
um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
— Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida
é que seu filho está ali. "
-Autor desconhecido
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